das águas turvas, os tempos nossos

por Laura Redfern Navarro e Samara Belchior da Silva
Foto de Anna Carolina Rizzon para ilustrar os poemas de Laura Redfern Navarro e Samara Belchior.

Laura Redfern Navarro (2000) é poeta e quase-formada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Toca a plataforma literária independente @matryoshkabooks, focada em literatura brasileira contemporânea. Pesquisa o testemunho enquanto subversão do trauma, do feminino e do corpo em O Martelo, de Adelaide Ivánova. Publicou, em 2020, o livro Matryoshka (Desconcertos). Em 2021, participou do Curso Livre de Formação de Escritores da Casa das Rosas, o CLIPE – Poesia. Integra a equipe de poetas do portal FaziaPoesia.

Samara Belchior (1987) é poeta, formada em história e filosofia, professora na rede municipal de São Paulo. Está envolvida em projetos como o CENA (Coletivo Estudantil Neuza Avelino), vencedor do prêmio territórios do Instituto Tomie Ohtake em 2019. Foi aluna do CLIPE -Poesia em 2021, desde então vem trabalhando em seu primeiro livro de poemas, Bruxismo e outras automutilações. Se interessa e estuda maneiras de provocar estranhamento através da escrita, especialmente a partir de imagens viscerais e perturbadoras do corpo e da mente. Colaboradora do portal Fazia Poesia.


para fabiano calixto

estar submersa é estar solitária
então reconheço sim
a sensação de ser tomada pela água suja
que sai dos tanques;

difícil é nomearㅤ – ㅤsempre será
difícil nomear encontrar meus pares
descobrir como viemos parar aqui_
como e quando as coisas viraram ㅤㅤesgoto

o professor alfabetiza
como um profeta ㅤㅤㅤㅤㅤé o apocalipse ㅤㅤㅤㅤneoliberal


nave sobre corpos banheira cheia de canos
que rastejamos
ratos escondidos
o neoliberalismo venceu até os canos trincarem
caímos nos ombros
dentro e dentro
caímos nas águas em novo tempo

aos desacostumados a chuva range

explicar uns aos outros tange a autópsia da palavra
dissecar órgãos revirar lavar na água que cai água mãe
lava-nos do mau olhado do capital


ave arca
arcas nada de prezar bahia brumadinho
algum pesar alaga a terra sob as mesmas marcas desse deus
deus nuvem deus ego
deus chegado pelos mares na barba tempestades
derreteu o sol as estrelas caíram
armagedom todo dia nessa casa no falso ararate
sob o mote a mão que tira é invisível


num canudo
há dois furos ou apenas

ㅤㅤㅤ um [buraco]?

quando a água atravessa
o cano enferrujado

ㅤㅤㅤ ela também carrega tétano?

e quando vem
violenta

ㅤㅤㅤ ainda é paisagem?


sob quais pontos a linha se enverga?
se gota caindo sobre ela
a testa tem linhas expressas
goteja uma
ㅤㅤㅤ cinquenta
ㅤㅤㅤ sevícia
das mãos ao longo do corpo há curvas possíveis
se libertas da algema ergue-se um arco
um conjunto de corpos feito
ㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤㅤㅤ demônio
ㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤ ㅤㅤㅤㅤㅤ rebelião


Foto de Anna Carolina Rizzon.

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