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3 poemas de Fernanda Laguna

por Fernanda Laguna
Arte de Fernanda Laguna, ilustrando os poemas de Um chamado telepático de socorro.

Fernanda Laguna (Hurlingham, Buenos Aires, 1972) é escritora, artista visual, curadora, gestora cultural e dona de casa. Fundou, junto com Cecilia Pavón, a editora em fotocópias e galeria de arte Belleza y felicidad, pela qual publicou mais de 30 livros de poesia. Grande parte de sua produção poética está reunida em: Control o no control (Mansalva, 2012), La princesa de mis sueños (Iván Rosado, 2018), Los grandes proyectos (Página/12, 2018) e Pañuelo de mocos (Iván Rosado, 2022). Sob o heterônimo Dalia Rosetti publicou diversas narrativas. Seus quadros pertencem a várias coleções de museus ao redor do mundo, tais como: Malba, Guggenheim NY, Reina Sofía. Foi uma das fundadoras da Eloísa Cartonera. Um chamado telepático de socorro (Macabéa Edições, 2023) é o primeiro livro de Fernanda traduzido para o Brasil.


Acabaram os anos 90

O flanco dos animais,
as colunas dos cachorros
e os desejos das pessoas.
Os amigos que nos magoaram
e as canções que nos consolam
para além dos méritos.
Os ritmos que se desvinculam de seus donos.
As primaveras que chegam sem pedir licença.
Os amigos que se adaptaram às situações
de um lado e do outro da ponte
e no meio…
o rio verdadeiro
marrom
profundo
e real.

viram?
Estamos todos,
agora todas.
Hoje acabou a poesia dos anos 90
com os pactos dos poetas que se acobertavam.
Alguns desses poetas que nos chamavam de putas
de idiotas
e outros que nos permitiam ou não participar.
Era a época?
O que era?
São eles que devem pensar…
Hoje acabou essa geração
e sem ser melhores sobrevivemos…
Eles ficaram com seus castelos
e nós mulheres comandamos a liberdade da festa diante do bom
fazendo piruetas com o corpo com lenços verdes,
dançando,
carregando bebês no meio das leituras.
Sim,
Acabou.
Acabaram os anos 90.

_

Terminaron los 90

Los costados de los animales,
las columnas de los perros
y los deseos de las personas.
Los amigos que nos hicieron daño
y las canciones que nos consuelan
más allá de los méritos.
Los ritmos que se independizan de sus dueños.
Las primaveras que llegan sin pedir permiso.
Los amigos que se adaptaron a las situaciones
de un lado y del otro del puente
y en medio….
el río verdadero
marrón
profundo
y real.
Ahí
¿vieron?
Estamos todos,
ahora todas.
Hoy terminó la poesía de los 90
con los pactos de los poetas que se cubrían.
Algunos de esos poetas que nos trataban de putas
de idiotas
y otros que nos permitían o no participar.
¿Era la época?
¿Qué era?
Son ellos los que deben pensar…
Hoy acabó esa generación
y sin ser mejores sobrevivimos.
Ellos quedaron con sus castillos
y nosotras comandamos la libertad de la fiesta por sobre lo bueno
haciendo medialunas con el cuerpo con pañuelos verdes,
bailando,
atajando bebés en medio de las lecturas.
Sí, Terminó.
Terminaron los 90.


Viajei em minha nave

Saí pela janela do meu quarto
de camisola
atravessei as grades
tive que fechar os olhos
pra subir num arco-íris musical.
Minha nave é uma clave de sol misteriosa e secreta.
Atravessei as folhas negras das árvores noturnas
abrindo passagem com os pedacinhos das notas pretas
segui os reflexos alaranjados que estão mais adiante
pra entrar no céu mesmo
esse que está bem perto
basta cruzar a rua real.

Somos extraterrestres
não somos desse mundo.

Eu e você.
Eu unida a você
como meus pensamentos estão unidos
a minha cabeça.
Assim bem unida
por um arco-íris musical.

_

He viajado en mi nave

He salido por la ventana de mi habitación
en camisón
atravesé las rejas
tuve que cerrar lo ojos
para subirme a un arco iris musical.
Mi nave es una clave de sol misteriosa y secreta.
Atravesé las hojas negras de los árboles nocturnos
Abriéndome paso con los palitos de las notas negras
seguí los reflejos naranjas que están más allá
para entrar en el cielo mismo
ese que está muy cerca
apenas cruzando la calle real.

Somos extraterrestres
no somos de ese mundo.

Yo y vos.
Yo unida a vos
como mis pensamientos están unidos
a mi cabeza.
Así de unida
por un arcoíris musical.


Agora

Preciso de alguém
agora

não dentro de instantes.
Vou até a cama e aperto meu cachorrinho de pelúcia.
Agora!

Isto é um chamado telepático de socorro
embora saiba que sou péssima em adivinhar o futuro
e também em telepatia.
Uma vez levantei os braços pro céu
gritando
Agora, agora!
e não desceu ninguém de lá.
Nada, nem sequer um pombo.
Hoje na minha casa enquanto digito lentamente este poema

te invoco
Agora!

_

Ahora

Necesito a alguien
ahora
ya
no dentro de un ratito.
Voy a la cama y estrujo a mi perrito de plush.
¡Ahora!

Esto es un llamado telepático de socorro
aunque sé que soy pésima en adivinar el futuro
y también en telepatía.
Una vez levanté los brazos al cielo
gritando
¡Ahora, ahora!
y no bajó nadie de allí.
Nada, ni siquiera una paloma.
Hoy en mi casa mientras tecleo lentamente este poema

te invoco
¡Ahora!


Tudo em algum lugar em volta do amor: Um chamado telepático de socorro, de Fernanda Laguna 

Paola Santi Kremer (Porto Alegre, Brasil) mora em Rosario, Argentina, desde 2014. É escritora e tradutora e investigou micropolíticas do humor na poesia brasileira e argentina durante as últimas ditaduras militares (Mestrado em Literatura Argentina, UNR). Dá oficinas sobre sedução e malandragem na poesia de ambos países. Publicou Uma pérola en el centro de mis piernas (Editorial Caleta Olivia, Buenos Aires). Participou nas Feiras do livro de Rosario e Buenos Aires, no Festival de Poesía de Acá (Mar del Plata), no Festival Internacional de Poesía de Rosario (poeta convidada e tradutora em 2019, tradutora em 2021 e curadora em 2022).


Como gritar para o Brasil escutar que a publicação deste livro é um acontecimento que vai deixar marcas na poesia do futuro? Como explicar o amor e gratidão que sentimos por Fernanda Laguna, esse mesmo amor com o qual ela adorna calcinhas baratas e absorventes, despertando a magia dos objetos? Haveria de se escrever um livro de poemas que se chame Brasil, leia o livro de Fernanda, o que tem tradução de Eduarda Rocha, o que foi editado por Macabéa edições. Porque é importante que se entenda a paixão que Fernanda desperta. Falo com excitação de uma artista multidisciplinar que transformou as artes visuais, a poesia e a narrativa argentinas, colocando em tensão essas e outras categorias. Como bem explica o prólogo da investigadora, tradutora e poeta Eduarda Rocha, para falar de Fernanda é preciso falar da dissolução de fronteiras entre arte e vida, entre política, arte e vida.

O luxo desta edição bilíngue (!) traz ao Brasil um pouco da dimensão estética-histórica de Fernanda. Se Waly Salomão gritava nas páginas de seus poemas que A VIDA É SONHO, este livro nos mostra em seu chamado telepático que a vida é fantasia, que tudo está fantasiado e que todas essas fantasias podem ser concebidas com paixão, com amor “acredito que tudo deve ser posto em algum lugar / em volta do amor”. Me faz lembrar aquela maravilha utópica de Fourier que dizia que quando todas as relações do universo, entre tudo o que o compõe, desde uma formiga e a areia, uma estrela e outra, uma pessoa e seu trabalho, todas as relações, se estabelecessem através da paixão, o oceano se transformaria em limonada. Nestes poemas há uma relação física, corpórea, muito afetiva com quem lê, que pode lembrar a leitora brasileira de Clarice. Aquela mão que Clarice imagina para poder entregar-se à escritura e à morte, uma mão de uma amante/amiga, uma mão de um grande amor que somos cada um de nós, leitorxs. Fernanda escreve “Mesmo que você não me conheça e não me veja, esta sou eu. Toda eu aqui. E o mais louco é que quando já não estiver uma parte sequer de mim neste mundo, eu continuarei inteira aqui. E […] você é todo o você ao que escrevo, mesmo que não te conheça. Porque você está lendo e se você não fosse você já teria abandonado a leitura dessa carta ou nem teria começado.” (135) Portanto, não duvide, caso você leia este livro, estará prestes a entrar em uma relação de amor. “Mas para que o amor e a política funcionem é preciso ser valente. É preciso ser muito valente pra confiar. É preciso ser muito valente pra confiar em nossos desejos de felicidade.” (137). Pois confie, se ainda não teve a oportunidade de conhecer a obra de Fernanda, que esta é uma poeta, artista, narradora, articuladora de festas loucas e revoluções estético-políticas e de outras formas para suas relações, que este livro cria as condições para todo tipo de transformação e felicidade. 

Fernanda compartilha com poetas brasileiros e brasileiras a sabedoria de que a poesia se aprende tanto dos livros como das feiras de rua e das lojas de 1,99, de que levar-se à sério é paralisar a poesia da vida. Quero dizer, para melhor compreensão do povo brasileiro; Fernanda tem o poder de sedução e desdobramento da publicidade dos Concretos e do grande Waly, sabe ser o cavalo de tróia das designações aos gêneros como a nossa grande Ana C., com uma malandragem sem igual; como quem se faz de sonsa, nos seduz para virar o tabuleiro do jogo nas nossas caras e nos nossos estádios. As relações que faço não são à toa: Fernanda é a incorporação de uma ponte entre as poesias brasileira e argentina, como Eduarda explica no prólogo. As decisões ao redor da publicação deste livro também materializam esta ponte. Enquanto a orelha é escrita pela poeta brasileira Clarisse Lyra (traduzida recentemente pela argentina Cecilia Pavón), a investigadora e tradutora Cecilia Palmeiro (além de ativadora estético-política do movimento reconhecido mundialmente Ni una menos), que assina a contracapa, constrói abraços de sonho e brilhantina entre ambos países (acaba de publicar a tradução de A vida não é útil, de Airton Krenak); percebeu uma cartografia que não vai parar de revelar-se nas próximas décadas, em que Beleza e Felicidade, a Poesia Marginal, o Cordel, as dissidências sexo-genéricas e o espaço público de ambos países dialogam e se potenciam.

Um poema de Fernanda Laguna pode mudar a sua vida, pode mudar o que sente pela poesia, pode implodir o que você pensava que a poesia era, pode te dar vontade de viver, escrever, de namorar com a poesia. A magnífica traição de Fernanda é feita com uma doçura e suposta ingenuidade como vetores de sedução “Minha espontaneidade é ingênua e simples. / Tola” (73). Vestidas com essa fantasia, suas palavras fazem escândalos dentro da gente. Aquela coisa de invocar quem lê com urgência, com um amor que nos apressa, de ser sentimental demais, exageradas, de que a feminilidade é em si o mal gosto, aquilo que exige discrição porque na verdade o mundo quer que a feminilidade, quando não em função de suas máquinas reprodutoras, desapareça. Por isso e por mil razões mais, é que Fernanda faz escândalos, é uma argentina muito brasileira mesmo, uma artista em quem nós, brasileiras que moramos na argentina, encontramos um lar, não só na genialidade dos seus poemas, como na sua prosa absolutamente original, divertida, violenta e escandalosa.

Nesta antologia suntuosa, sua estridência espetacular, sua voz terna, vai te fazer cair como um pato. Porque enquanto te seduz, a escrita de Fernanda é a vida se transformando, é um chute na bola da transformação de si para depois sair em disparada correndo atrás de si mesma. A felicidade é uma coisa que se fabrica como a das “artistas que criaram cidades acomodando copos no armário” e é o oposto da ideia de que isso significa despolitização. A ofensa nestes poemas é pervertida e transcende a denúncia, toma do ridículo para torcer o sentido hegemônico de beleza e felicidade, dela se extrai um prazer-poder para que se possa continuar a colocar o mundo em movimento, bem longe daquela lógica velha, colonial e infeliz do sacrifício. 


Você leu uma seleção de poemas de Um chamado telepático de socorro (Macabéa Edições, 2023), livro de poemas de Fernanda Laguna, traduzido por Eduarda Rocha. Gostou dos poemas? Adquira-o clicando aqui!

Mais sobre a obra

A antologia bilíngue Um chamado telepático de socorro foi organizada e traduzida por Eduarda Rocha, pesquisadora da obra de Laguna, e reúne poemas publicados entre 1995 e 2022, além de alguns poemas inéditos. Fernanda Laguna é uma das principais escritoras da chamada geração dos anos 90, na Argentina, além de ser uma das principais artistas visuais de seu país. 

Além dos poemas, o livro inclui alguns desenhos da artista, que acabam de ser integrados à coleção do MoMA, e uma carta para Dilma Rousseff, escrita em ocasião da bienal de São Paulo, em 2010. A orelha é assinada por Clarisse Lyra (@lyraclarisse) e a contracapa é de Cecilia Palmeiro (@ceciliapalmeiro). O kit do livro inclui um papel de carta e um cartão postal, elaborados a partir de obras de Fernanda, que também é a autora da obra de capa.


Arte de Fernanda Laguna.

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