Menahem Wrona é poeta e criador interdisciplinar, dedicado a investigações na história do pensar, teatro ritual, e filosofia da religião. Nascido em São Paulo, Brasil, saiu da escola aos dez anos, a descobrir que a busca não do conhecimento, mas da sabedoria, é uma escolha incessante apresentada à vida do artista e do ser. Dentro do espaço institucional, formou-se em ‘Humanidades, Artes, e Pensamento Social (B.A.)’ pela Bard College Berlim, e em Estudos Clássicos (M.A) pela Universidade de Coimbra. Sua formação contínua, para além das quatro paredes, é o horizonte maior de uma investigação às tradições orais e cosmovisões originárias, guiadas pelas sabedorias ancestrais dessa nossa ‘terra dos mil povos.’ De 2021 a 2023, Wrona coordenou ‘El Aleph’, um centro de residências artísticas e investigação filosófica no Porto, Portugal, com uma pesquisa direcionada à cosmologia e estudos do tempo, convocando a conexão ancestral, medieval e clássica entre a arte e o sagrado. Seu trabalho já foi exibido na Dunedin Public Art Gallery (Nova Zelândia), Prospects Rotterdam (Holanda), e Monopol Berlin (Alemanha).
Rito
Eu sou um rito de passagem.
O tempo invoca-me, e aos poucos
Morre as secas folhas sob a tarde:
O fruto aprende ao nascer.
Levo o corpo às ruas,
Eros leva à alma,
O corpo almafica,
A alma incorpora,
A lua é a razão da noite
E ser é um rito de horizonte
Que apenas a raiz vê.
De Noite, o Ar Frio
Já há tempos não sentia essa forma de noite.
Tão fria nos ossos a dor de saudade adocicada
Hóspede no cemitério do vivido, e tantas flores entre lápides
Que dá calma.
Cidade d’onde afoguei sete mares cinzas…
Os olhos com que vejo espelham ondas tão cansaço
E no horizonte sem-saída do metrô imundo
Cronometrado ao segundo
Há uma eclipse que é da cor do pranto
E um soluço alegre nascido do fundo da garganta
Como um coral de anjos caídos
Comendo as próprias asas
Para sobreviver
E gostando.
Fim da Década
Lua vindoura do inverno:
Não há mais eu para chamar-te.
Passei sob as águas oceânicas do continente
E vejo-te hoje
– é verão.
Os seres que andam e vestem
Frases e verbos e êxtases,
Vivem, lua! Vivem!
Como eu.
Os lagos da infância eruptam indizíveis,
Vejo-os na sombra de um amanhã
E sou, aquém do que é em mim,
Filho dos humanos
E dos dias.
Leva-me, leva-me embora
Ao amanhã que me fez.
Mas deixe-me saborear os momentos,
O amor de minha mãe,
Os gestos pequenos,
Os abraços de minha irmã
Que entende, desentende,
E tem ainda uma vida por entender.
As estrelas são rosas brancas,
Impermanências sólidas de um jardim:
O céu está florido esta noite,
As nuvens passam com o vento,
Os planetas originam-se: raízes-tempo
E a galáxia é uma terra fértil.
No badalar do eterno
O tempo é-te, lua
E é também, mas tão pouco
Em mim.
Os outros animais vêem-nos,
Entendem-nos: sabem.
Infantes miram-nos com olhos molhados
Na compreensão assombrosa do que é-nos
Anterior.
Tenho medo da verdade;
Tenho medo da verdade que é,
E da verdade que é nos outros.
Olho aos lados para compreender o instante
E entre o segundo e o minuto
Apenas a eternidade é mãe de algum sentido;
É meia noite.
Vou parir coisas belas!
Vou parir coisas bobas:
Hei de ser, mas não sei o que
E tenho medo do que sou.
Ando pelas ruas e janto batatas.
O futuro: É-nos para trás?
O big bang não foi começo,
Nada nunca começou…
Origina-se o instante
E na morte há outra origem.
Gera, germina, gira mundo:
Faz-se em mim.
Amanhã acaba a década!
Amanhã o sol raiará igual,
Amanhã é ontem, meu Deus,
Amanhã é ontem.
Sei que tudo já passou
Sei que tudo está passando
E sei inclusive, que o futuro é incerto
E nem por isso ainda não aconteceu.
Ah, deixe-me! Sou mero homem,
E nem isso sei ser.
Talvez para o céu também
A terra seja um sonho distante.
De mãos vazias
Dou-te as palavras,
Dou-te porque é tudo que tenho,
Dou-te porque é tudo que somos,
O que revela e divide
O eu do você.
Palavras são tinta,
Palavras são corpos,
Palavras são pontos,
Doces mantos sobre o que quer ser dito,
E eu ainda não aprendi a falar.