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A Barca do Petrarca (ou orgia na nau)

por Phelipe Fernandes
Para ilustrar os poemas de Phelipe Fernandes, um desenho de Ariyoshi Kondo mostra uma pata de ave amarela com garras grandes e afiadas bem de perto.

phelipe fernandes de oliveira. professor da rede pública municipal. marido e pai de dois filhos. tudo isso, lavrado em cartório. além disso, poeta.


Canta o vento as dolências de um Petrarca
E à proa às vezes rápido assobia;
Vou ver o berço e o túmulo do Dia,
Só, tripulando esta pequena barca…

Jonas da Silva

NA PORTA DA BARCA

Na barca do Petrarca cabem todos:
O rei, o sapo, a parca e até sua vó…
Cabem os ostrogodos, visigodos
e o Godzilla, que se quizila só!

Cabem Páris, Rolandos, Zumbis, Frodos,
Frineia, Macabéa, Lis, Filó…
Cabem todas as odes e epodos,
A aquerôntica nau e o górdio nó.

Bastam quatorze paus de gofer fixos
Por dez estacas, que, já todo emerso,
O bote boie sempre em firme vão.
Daí só carnaval, pinto no lixo!
Mas se a gente escambar pro livre verso,
A gente joga a gente no porão!


DA PROA À POPA

orgia I

brincamos você e eu aqui em casa
saliva nas mãos laranjas na nuca
e o sumo a escorrer ao passo que sulca
cada pele a ser caminho que vaza
pimenta e caju tâmaras na brasa
nada áspero não fixar também nunca
na copa do céu deus dá cobra à asa
crocantes maçãs bananas aduncas

ao sair dali de pelos pelados
as mudas no chão e o mato molhado
que o peito do pé pingou ao impô-lo
achamos cipó que ao ser bem lixado
abaulado ao pé e bem besuntado
no mar dos umbus serviu de consolo

“se o coração pisar em meus pés descalços”

se o coração pisar em meus pés descalços
não vou ter que chorar pelo amor partido
apenas caminhar com os pés doloridos
afogando os joelhos no mar sem passos

se o coração pisar em meus pés descalços
já não mais vai se ouvir o ardente gemido
o silêncio será __ o todo sentido
como cláudio enforcado no cadafalso

se o coração pisar em meus pés descalços
haverá pés calçados para alcançá-lo
de amores que são reis e também vassalos

e de amantes que são cada vez mais falsos
haverá corações prontos para andá-lo
se o coração pisar em meus pés descalços

o ralo

Pelo teu corpo passam as ideias
que nunca mais terão nosso serviço.
Tua boca às coisas novas dá sumiço,
teu lombo leva ao mar as coisas velhas,

de modo que saímos sem as teias
de aranha, que à cabeça esboça o liço.
E desfiando vão cabelo e viço,
fazendo à gente bem, sem dor, sem peias.

O mortal que se enxuga em tua presença
já não se lembra mais da angústia aquela
que lhe oprimia o peito na semana.

Mas, se volta a lembrar, há esperança
que se pinte em tua tela uma aquarela
amarela, tal como a história humana.


NO PORÃO

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Desenho de Ariyoshi Kondo.

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