Thiago Ponce de Moraes (1986–) é poeta, tradutor e professor, autor de, entre outros, Espacelamentos (2023), uma fotografia (2017), Dobres sobre a luz (2016, finalista do prêmio Jabuti) e Glory Box (2016, coletânea bilíngue). Nos últimos anos, tem participado de diversos festivais internacionais, como Struga Poetry Evenings, Macedônia; FIP Toluca, México; e FIP La Habana, Cuba. Seus poemas já foram traduzidos para mais de 10 línguas.
CARNE ROSA e negra
em leite branco
esperança e desespero
vermelho a percorrer as coxas
com desejo doloroso
recortando a noite avessa
ao grito e ao gozo
para um mundo feito de relâmpagos
e auroras
fios de luz e sangue
brotam
do ponto de ruptura do corpo
tempestade sob a nudez
um sopro
fenda aberta no topo do céu
feridas abissais
os olhos incuráveis
sobretudo
hóspedes absurdos
sem história
sem imagem
ANTE O ROSTO CALMO da morte
de olhos abertos
precisos na medida
em que nos fechávamos
à sua compreensão
nos fartávamos
como animais obscenos
selvagens incontornáveis da civilização
não víamos
senão
sentíamos
nossos corpos mutuamente
indiscerníveis
entre o calor e o terror do toque
sem saber dizer de cada ao certo
se presença
ou ausência
se vivo
ou ido
para sempre
PUNHOS CONTRA as ferragens
da porta
nunca abri-la?
penetrar esta casa
sorrateira
com os dedos
atravessar
o flanco
tocar as entranhas
de cores abjetas
rasgar-se
encontrar-se
ali
no escuro
e sujo
à sombra
à margem
nas longas contrações
do tempo
A UMIDADE mole da carne
pede momentos de densa obscenidade
e ver passar dois pés
calçados de seda
sua pupila perdida sob a pálpebra
vigilância
melancolia
delírio
sedução extrema no limite do horror
a fascinante obscuridade
do rosto
com um olho arrancado
mil olhos atraídos
pelo espetáculo do suplício
prestes a acontecer
NO CHÃO duro
o outono prematuro se apresenta
os dias claros em turvos tornados
nem a paisagem alenta
os verdes avessos das folhas ausências
que chegam às margens da cor
sem escolha
na lenta oferenda das tintas
nos vãos que acenam escuros
de novo arcaicos
entre os muros desse labirinto
de onde nunca saio
porém ouço teus passos
rastros no tempo
canções esquecidas
vento vento vento
Desenho de Ariyoshi Kondo.