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Colmeias na carne

por Casé Lontra Marques
Desenho de Ariyoshi Kondo que retrata a cabeça e uma parte do corpo de um pássaro com o bico longo para ilustrar os poemas de Casé Lontra Marques.

Casé Lontra Marques é poeta. Nasceu em 1985, em Volta Redonda (RJ). Vive em Vitória (ES), onde cresceu. Publicou Desde o medo já é tarde, O que se cala não nos cura e Enquanto perder for habitar com exatidão, entre outros livros.


Colmeias na carne

Filtrado pela folhagem, o som dos insetos
somatiza a manhã
antes que as pupilas possam respingar nos primeiros
filetes de
luz — que, dejetos ou desejos,
são (eu
sei) sempre suspeitos. Placas de placenta se
recusam a resumir o dia. Em privilégio
da proliferação — incomodamente,
sim
: incomodamente nutritiva. A
palavra redesenha o sangue. Derretendo (
com ácidos
jamais escassos) a ansiedade
que a quer
estanque. — Despertar? — Um
doido, um doído
desconcerto.
Mas a vontade (maior que o medo);
a
vontade — um amuleto — é
voraz. E
perfura/implode/expurga
o desespero. Colmeias
na carne: o mundo
faz da garganta
um útero.


Qualquer sinal de sinuosidade

A sanha de imergir na imensidão
de cada
minúsculo detalhe do dia
arranha
a plenitude que poderia atar (e, logo,
domesticar)
o tempo — tessitura precisa
porém
incerta; calorosamente suscetível
a qualquer
sinal de sinuosidade,
uma nuance
— mesmo a mais sutil — prolonga
a noite
que: pingando: pare
universo atrás
de universo (com contornos
desde
sempre incompletos).


Mastigando os dentes

Mastigando os dentes
amolecidos pela solidão,
figuras famintas
combatem o cárcere
da singularidade:
um país
é nunca haver
paz
— rente aos rugidos
da arrebentação:
qual mundo
não
seria turvo?


Desenho de Ariyoshi Kondo.

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