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Espelho feito de letras ruidosas, para Alejandra Pizarnik

por Adriane Figueira
Foto de Luísa Machado para ilustrar a homenagem de Adriana Figueira à poeta Alejandra Pizarnik.

Adriane Figueira é paraense, nascida e criada às margens do Tapajós, mas vive há mais de uma década na capital carioca. Entusiasta da escrita e pesquisadora. Revoada do dragão (Patuá, 2021) é seu primeiro livro.
Alejandra Pizarnik (Buenos Aires, 29 de abril de 1936 — 25 de setembro de 1972) foi uma escritora e poeta argentina.


Se desgarro el papel con la desgarradura que
te desliza en outro laberinto.
Todas las puertas son para salir.
Ya todo es al reves de los espejos.

(Olga Orozco)

A mulher que me atravessa o corpo e a voz…
Perdura no verso, caminha na madrugada.
Ela é toda silêncio.
Potência feminina erguida sob ruínas.
Dolor que se alastra pela pele, pelos ossos.
Pela página em branco que se esboça.
Palavras em nascedouro.

La pájara en el ojo ajeno.

Minha voz embarga e meu olhar afoga.
50 anos da tua ausência física.
50 anos de um descanso merecido e desejado.
A poeta se evade.
Invade meu solo úmido e sobre a qual nada sei.
A não ser o que ela deixou saber — poeira e névoa.
Mistérios da noite.

La noche insiste en ser un silencio.

Flora, eu nunca sei o que te dizer.
Te sinto em cada instante de assombro, delírio e sanidade.
És a letra luminosa.
Mulher-vertigem que desenha fluxos.
Sopra em meus ouvidos eternidades.
Fabulação, intimidade, poesia…
Enigma profundo.
Angústia densa de quem forja palavras sangrentas.
Cheias de gozo, silêncio e súplica.
O que ali é verdade?
O real não existe, mas o canto-silêncio, sim.
O vórtice-solidão, também.

Mi nuevo drama nació del miedo de ayer.

O drama consiste na inadequação, na impossibilidade da transmissão.
A inquietude do verso-miragem-milagre.
Não há cura ou verbo que baste.
É preciso extrapolar todas as margens.
Desfazer nós… engendrar nós.
Não tem fim o mal-estar, o grito abafado.
Um coro de nãos e de nada.
Um muro que não desaba.
Cavando, percorrendo, escrevendo… indo até ao fundo.
Mergulhando no desejo confesso de permanecer.
Ser, tocar o impossível.
Sentimentos não são pronunciáveis ou mensuráveis.
Tu não te curvas e nem declinas apesar de uma aparente fragilidade.

Soy un deseo suspendido en el vacío.

És vazio e imensidão ao mesmo tempo.
Una reina transbordante, um bailar inacabado.
Tu descansas imensa nas bordas de outra vida.
Transcendeste a linha de chegada-partida.
Não é necessário justificar os fragmentos do teu eu múltiplo que se expande.
Elos indomáveis.
Eus-elas-nós.
Plural de tudo o que vive e sobrevoa teu verbo.
Há um jardim — o teu jardim.

Al filo de la noche, en el jardín, su rostro, sus manos…

A tua escrita me funda, me afunda, me ressuscita e me expande.
Tua noite convoca o pássaro.
As grades da gaiola-labirinto não se desprendem.
A chave parece perdida, porém sempre escapas.
Dentro-fora-centro.
Ausência-presença-palavra.
Espelhos estilhaçados.
Corpos em combustão.

Todo lo que tiene nombre se evade de mi mirada.

Tu permaneces pregada dentro do meu olhar arrebatado.
Nas páginas desse poema impossível, emocionado e cheio de afeto.
Não há explicação, apenas o medo que culmina no horizonte lilás.
Um rio escuro e de águas fartas que corre para um mar distante.
O marulhar das ondas entoam o teu canto.
Eu danço sobre os teus versos.


Os trechos em itálico são fragmentos retirados dos Diários de Alejandra Pizarnik.


Foto de Luísa Machado.


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O novo livro de Adriane Figueira está em pré-venda! Você pode adquirir cacos retidos na margem (Cachalote, 2024) na nossa loja virtual ou conferir os pacotes de recompensas na plataforma Benfeitoria.

Mais sobre a obra

“Eu nunca escrevi diários! Isto aqui é um extravasamento, um inventário estilhaçado, sem datas fixas no calendário, sem horários demarcados — guiado por Kairós”. Assim escreve no preâmbulo a autora de cacos retidos na margem, nomeando Kairós como preceptor de sua jornada entre a prosa e a poesia e, nesse simples ato, recusando a medida, a exatidão e a linearidade.

O tempo da palavra de Adriane Figueira é o do extravasamento. Os textos desse livro são desenhos sutis, quase oníricos, de um labirinto de memórias e vertigens que, solitário e vigilante, assoma como possibilidade de um contágio verbal que desoculta as tempestades da nossa experiência.

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