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laranja

por Nadja Rodrigues
Ilustração de Ariyoshi Kondo para ilustrar o poema de Nadja Rodrigues. O desenho mostra uma flor de pétalas brancas com pinceladas cor-de-rosa

Nadja Rodrigues nasceu em Brasília em 1984. É graduada em psicologia e mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB), psicanalista e membro do Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo (IPVLB/SPBsb). Também é bailarina e poeta. Seu primeiro livro de poemas está previsto para 2024 pela Editora 7Letras.


laranja

I.

a laranja quem me deu
foi minha avó

na dádiva doce
se embrenha com lâmina
e mãos costureiras
sábias na medida do corte

não perdem o fio olham
com os dedos a bruteza
a calma nas falanges
apalpa o avesso
pela manta

II.

a laranja se despe
com tato

minha avó quem me ensinou
a confiar na vontade
da mão não pode ter medo
da faca nem do tempo
ela pede aquela hora
vagarosa na curva
da barriga cheia

III.

laranja não mata fome
fome tem pressa
a laranja foi feita
para chupar

minha avó dava a tarde inteira
ao trabalho da laranja
sua atenção cortante à mão
ou sobre a mesa ao lado da bacia
aquífero alaranjado respingando
sobre o forro plástico
o mesmo quando eu pintava
com as guaches o pincel em punho
e os potinhos no tampo

IV.

um rito de duração:
a laranja

o tempo afiado
a vó guardava na gaveta
junto às outras facas
amolava a cada instante
com sua língua mineira
hábil de cavar lentidões
entre vales e vultos ela
foi escolada pelo sumo
acidez que guarda
o néctar da fonte

V.

a alegria é laranja
sem dentes esbagaçada
tem fibra e invento
amacia até a casca
em água fervente

as sementes ela guarda
qual meus dentinhos de leite

VI.

descascar a laranja
minha avó quem me mostrou
minha mãe me ensinou
a descascar outros monstros


Desenho de Ariyoshi Kondo.

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