leonardo ramos vive no rio de janeiro, é formado em letras, pesquisa literatura e esteve em autoexílio desde a pandemia. foi publicado em algumas revistas, se autoeditou no instagram, no medium, então pausou isso e foi sentir a vida, amar e descobrir se realmente a queria, se há o que dizer.
o “eu”, por trás de nós oculto, / é muito mais assustador, / é um assassino escondido em nosso
quarto, / dentre os horrores, é o menor
Emily Dickinson
estive observando os peixes que não se esfregam para criar vida e estive esperando um anjo que conversasse comigo, que me contasse o que sou e elevasse os meus letreiros na cidade.
na direção e no ritmo da noite, há períodos em que a minha interioridade é violentada e nada mais se encerra. tento abdicar da agressividade de estar vivo e isso consome tanto da aventura e do místico. disseram, algumas vezes, que eu conseguia emular os dezessete anos e, por isso, se apaixonaram por mim. amei todos os meus melhores amigos e cresci com as minhas mulheres, pensando se não seria escandaloso.
no último dia do inverno, quis me machucar, mediatizar o meu sangue nas almas perdidas pela estrada. nunca estive, de fato, presente nessas noites, só me observava de fora e o que via era uma inclinação corporal à espera de uma flecha.
jamais pensaram que, por baixo do véu, dentro, é quente e servil, que panos cobrem a forma diurna da minha inutilidade, que o meu lar é ameaçado por um néctar dos dias comuns e nem sempre estou nesta vida como coisa minha.
tenho o esforço de tentar eliminar o inflamável do que queimaria por si só, o tempo que seria o ápice da minha vida, o tempo antes de qualquer outro e já não sei se há testemunhas melhores que os anos, as despedidas e a impotência de ver a si mesmo sem assalto.
longe do antigo deus e das minhas festas de aniversário, não uso mais flores no cabelo para o carnaval, nem poso para a câmera da mamãe. povoo minha terra com voz e acolhimento, certo de que alguém, um dia, me seguirá e estaremos novamente escondidos em nossos quartos, um assistindo ao outro.
duas mulheres me assaltaram à noite e apenas sentei na areia e chorei com elas.
sabia que o irmão de uma delas vivia numa casa igual a minha e pensei que seria melhor se nos ajudássemos, o que fiz sempre que alguém precisou de mim.
elas foram embora pela manhã
quando eu era norma bengell caminhando numa cidade em construção.
bebi os comprimidos pela promessa de outra terra, uma que fosse um lar.
escutei que este não seria o meu lugar, então onde ficarei todo esse tempo?
perguntei às mulheres da minha vida, mas elas desconheciam.
quis sentir tudo, porque cresci pensando que era difícil ser amado.
ninguém enxerga os lugares vazios em que nascemos.
ao fim da tarde, o sol se esvaiu na aspersão do meu cabelo.
estive apenas no ar.
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤsoprei vento naquelas mulheres
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤe o silêncio que tive em vida foi o estouro abrupto dos balões depois da
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤfesta – e tão, tão rápido.
Fotografia: Carnaval no largo do Pelourinho – Autoria não identificada (Acervo Instituto Moreira Salles).