Máquina
“Esse foi um dos presentes que seu avô deu a mim e agora ele é um dos que eu dou a você”, ela disse. Dentro da caixa verde que a protegia, havia a máquina de escrever Olivetti, com as letras pintadas de branco, postas em um fundo preto, a mesma que ficava na escrivaninha da casa de minha avó, na gaveta mais próxima ao chão, marcada por alguns arranhões feitos pelos netos. O cárcere me impedia de sair para comprar a tinta e o papel. Sob a luz do cigarro aceso, era possível ver um quadro pendurado do outro lado da sala.
Estrada
Havia trânsito perto de Toulouse e eu ouvia os Stones, enquanto o Audi atrás do nosso carro dava seta, pedindo para ultrapassar. O aeroporto era quase ali, mas nós passaríamos reto e seguiríamos até Nice. A estrada era boa e o caminho era longo. “É aí que mora a beleza”, você disse. Paramos o carro no Shell mais próximo e eu fui procurar por um Red Bull e pelo preço do diesel. O meu inglês é razoável, mas o meu francês é péssimo. “Bonjour” foi o máximo que consegui dizer para a moça do caixa. Se eu tivesse mais tempo eu tentaria puxar mais papo, treinaria o idioma e o flerte, apenas por esporte. Ah, o flerte! Houve um tempo em que eu fazia isso por fazer. Hoje, tudo parece ter um objetivo. Sinto falta da perdição. Não há mais espaço para a naturalidade. A culpa é sua também. Entrei no carro após fumar um cigarro escondido, próximo ao pequeno hotel que havia ali, em meio às tímidas árvores, o mesmo que desaparecia pela janela quando você acelerou e tomou a estrada à 100 km/h. O próximo pedágio era por minha conta.
André Luiz é estudante de relações públicas na Faculdade Cásper Líbero. Gosta de música, filmes e é aspirante a escritor. Desistiu da terapia depois de duas sessões por excesso de emoção.