Sento com os pés para o alto e pego minha pipoca diante da televisão. Ali no noticiário eles dizem: existia e existe uma perspectiva de guerra que pode aniquilar metade da raça humana. O Irã atacou uma base norte-americana em resposta à morte de um general. A primeira coisa que eu pensei foi comprar um lança chamas e umas granadas. Eu vou matar o Trump.
Um general chamado Qassim Souleimani foi morto no último dia três de janeiro, vítima de atentado ordenado pela Casa Branca. À minha frente a Tv mostra foguetes que cruzam os céus. Em um sinal de retaliação a esse assassinato foram disparados os mísseis, conta o analista engravatado. Ainda segundo a cobertura, o militar era um símbolo de bravura nacional e um estrategista experiente. No perfil militar há alguns combates contra os Estados Unidos da América em outras oportunidades. Remexo a bunda do lado esquerdo do sofá e fico fantasiando que esses terroristas malvadões vingam meus desejos a cada projétil.
Eu imagino aqueles soldados americanos, que até então não se sabia que não estavam lá, em fragmentos de vidro derretido, deflorados que nem o milho que levo à boca. Pela rajada da pólvora vejo o crânio chumaçado de qualquer Paul ou Sander e acho divertidíssimo.
Do outro lado da tela, ajeitando a gola e a garganta para dar certa cara sisuda à narrativa, uns engravatados tentam me convencer de que estou errado em comemorar a morte de americano safado.
Esses jornalistas comentam sobre as causas e efeitos do bombardeio do último dia 12 de janeiro. Um deles, em especial, faz com que eu ajuste o cu com as têmporas e preste atenção no que diz. Ele fala sobre a possibilidade de rearmamento nuclear iraniano. Mentira, imagina só. Ato contínuo, penso no formato de um cogumelo no prato solar. Voa carne, sangue, ketchup, creme de leite e tudo o mais que pode formar um estrogonofe da desgraça. Dessa vez não rio das mortes não confirmadas dos soldados. Dou risada pela adrenalina.
Surrupio o celular do encosto do sofá e abro o Facebook para acompanhar as coisas em tempo surreal. Um certo José com a camisa surrada de Lula Livre, estudante de Filosofia, faz uma análise sobre os conflitos com os países árabes, defendendo que a união de um bloco para revidar a cusparada de Trump é provável, dada a escalada de tensão e historicidade de abusos bélicos, diz que aquilo era só o começo e que deveria ser assim mesmo, ações pontuais e sem aviso, a ordem na desordem é a surpresa da nova década, completa. Joaquim, do outro lado, utiliza da arte do não dizer absolutamente nada para se prostrar nel mezzo del camino. Ele usa uns óculos de tartaruga e segura um livro, o que o concede autoridade intelectual para compartilhar que temos que analisar os contextos que levaram ao revide e que não necessariamente isso fortalece o ser humano e a paz entre as nações, que a diplomacia é a rota mais sucinta de resolver conflitos que a humanidade já encontrou, nem um, nem outro, somos parte de uma sociedade e temos sonhos e filhos e coisas assim. Pedro, muito certo detrás de seu Rayban aviador, entretanto, diz que devemos nos alinhar ao irmão do norte para defender a democracia e o ocidente, que tem que parar com essa palhaçada aí de bajular terrorista e islâmico, que é tudo a mesma coisa. Anita, que acabou de desmanchar o noivado, compartilha sua nova foto de perfil, cabelo chanel de bico e unha francesinha, com uma frase em inglês sobre superar as barreiras e percalços da vida. Como todo mundo está dando seu melhor para mostrar as coisas que gosta e acredita, vou lá e tasco um like na foto da minha avó com um monte de ipês ao fundo. Tudo faz parte do barril de pólvora no golfo pérsico.
A sensação de presenciar uma crise nuclear, com essa cobertura midiática, é como uma teoria da conspiração ao vivo e a cores. Paranóica em sua essência, ela pega pontos específicos de uma narrativa e os conecta de modo quase ilógico. Quase. Temos um presidente que vive laranja de tanto bronzeamento artificial. Temos a vontade de mostrar serviço ao eleitorado. Temos interesse do mercado petrolífero. Resultando em mortes e ataques em sequência. É como se todas essas coisas, com exceção da pipoca que ainda como ao assistir a sequência de cenas, tivessem um encadeamento lógico que transcende a razão. O fiapo que a separa da completa ficção são suas consequências em um mundo prático.
Fica a pergunta: qual o próximo passo? Diante do incrível, não acharia impossível se, até o final da crônica, o Brasil estivesse a tal ponto subjugado pelos EUA que puséssemos soldados e armamento no fronte, para apoiar nosso amigo. E aí dele se houver alguma ordem para irmos para campo. Falaremos de bom grado (ou gado, como preferem as redes) : “Não é porque um amigo falou grosso que eu vou dar as costas”. Vai saber o que amizade significa para quem curte uma milícia.
Antes do fim daquele balde de pipoca, uma tuitada desse amigo de Jair me tranquiliza e me desassossega. Trump publica: “So far, so good”. Se me amolece, porque não é “It’s bombing time”, também me assusta, porque ele utiliza como canal de comunicação oficial uma rede social cuja potência de viralizar é infinita. Então, em vez, de uma sirene avisando que começou a guerra, um documento, qualquer coisa que o valha, teremos publicações ensandecidas, jornalistas mantendo a aparência de normalidade, falas autoritárias, pânico em escala global, e claro, a crônica.
Gabriel Cruz Lima é estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e graduando em Letras pela Universidade de São Paulo. É tio da Maria Luiza e escreve contos e crônicas quando os chakras se alinham.