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Vamos falar de pornô – Notas de um festival de cinema independente

por O centro do sexo
Cena de Perestroika, de Sascha-Alexandra Zaitseva e Lars Kollros, para texto de O centro do Sexo, projeto do casal Florencia Guzzetti e Sofía Laporte

O centro do sexo são Florencia Guzzetti e Sofía Laporte, um casal de argentinas que investiga seus próprios prazeres: a pornografia, a festa, os afetos. Se conheceram há anos falando e discutindo sobre literatura e feminismos nos corredores da universidade e, mesmo que os cenários não são os mesmos, os interesses continuam latentes. Desde que se encontraram, se mudaram 6 vezes. Seja fetiche ou circunstância, nunca perderam o entusiasmo em montar e desmontar novos espaços. Agora estão no Porto, Portugal, dando forma a este projeto-habitat que é O centro do sexo: uma casa que pode se mudar com elas e, ainda mais, aquela que não querem deixar.


Outubro de 2021: fomos ao Festival de Cinema Pornô de Viena. Algumas pessoas que contamos riram, outras compartilharam nossas expectativas. Houve outros (trabalho e família) para quem não contamos. Ou contamos apenas uma parte e inventámos amigxs e razões pelas quais estávamos tão entusiasmados em viajar para Viena, uma cidade que até então não nos tinha chamado a atenção.

O que realmente fomos fazer em Viena? A pornografia nos interessa há anos e desde que ouvimos falar desses festivais, quisemos ir a um. Vimos a convocação de voluntárixs e não tivemos dúvidas: livre acesso a muitos filmes e atividades, conhecer pessoas, vivê-lo por dentro. Olhamos a programação várias vezes, achamos coisas que conheciamos e outras que não, e fizemos a nossa triagem das projeções: Urban Smut, o último filme de um coletivo alemão que adoramos; Ediy Brazilian Porn Shorts, 9 curtas de uma produtora brasileira de pornografia desviante; Masturbação e Queer Porn Shorts, escolhidas simplesmente pelos títulos.

Quando falamos que nos interessamos pela pornografia, devemos primeiro fazer um esclarecimento: a pornografia, enquanto tal, não existe, mas existem diferentes formas de entender e fazer pornografia. Em termos gerais, existe a pornografia mainstream – aquelas dos canais gratuitos, de fácil acesso e com a que muitos de nós possivelmente tropeçamos em algum momento; a pós(t)pornografia, um movimento que está mais próximo da performance política e da apropriação do espaço público; e a pornografia feminista, indie, ética ou alternativa, uma pornografia que rompe com certos critérios de produção e distribuição da indústria e procura ampliar a representação de corpos e práticas. 

Estes festivais são principalmente sobre o último, seja o de Viena, São Francisco, Santiago do Chile, Berlim, Atenas – para citar apenas alguns. Nestas produções o trabalho todo é coletivo-autogestivo e/ou pago, há um acordo sobre as práticas a serem realizadas e os sites ou lugares onde o material será reproduzido e distribuído. Longe das repetidas coreografias de penetração, primeiros planos e cumshots, estes sexos nem sempre são roteirizados – e se são, são flexíveis às mudanças e os desejos dos participantes no momento da filmagem. Por se tratar de um espaço onde o trabalho sexual é trabalho, o abuso e a exploração sexual dos participantes estão fora de questão, e acontece o mesmo que (deveria acontecer) em todos os ambientes de trabalho: horários estabelecidos, condições claras, cuidados da saúde e do bem-estar etc. 

Tudo isso não acontece (apenas) nos bastidores, mas frequentemente faz parte do filme e constitui uma instância erótica, tanto para quem o faz quanto para quem assiste. Por exemplo, os primeiros minutos de We are the fucking world (Olympe de G./Erika Lust) mostram uma rodada onde xs performers compartilham suas expectativas, desejos, limites e humores no momento da gravação: Hoje estou me sentindo um pouco tímida, então se você quiser tomar a iniciativa, vai lá / Eu vou pedir o que eu gosto, porque adoro implorar / A única coisa com que não estou muito à vontade hoje é sexo anal. Este pornô não só nos mostra um sexo gostoso para quem o pratica e para quem assiste, mas também traz em jogo os desejos, necessidades e limites de cada pesoa e quão flutuantes estes podem ser. Entre muitas outras coisas, esta pornografia nos ensina a nos apropriarmos de nossos desejos e a erotizar o consenso. 

Entretanto, o fato de ser ético é uma condição necessária mas não suficiente para que gostemos dele. O pornô que nos atrai é uma reafirmação do sexo e de suas infinitas formas, do abjeto, do impressionante, das fantasias, e também da música, do movimento, das texturas, da natureza, dos sentidos, de tudo o que desperta nossa tesão, curiosidade, interesse, riso, medo, desejo de mais. A pornografia é conhecer nossos limites e aceitar os outros, expandir os nossos horizontes de prazer, reagir com o nosso corpo e, acima de tudo, conhecer a nós mesmos com e através do que vemos. Nós adultos podemos e temos muito a (des)aprender com o sexo. E a pornografia, nisso, tem um imenso poder transformador.

De volta a Viena, foram cinco dias de uma extensa programação de filmes e eventos pornográficos. E isto, ao contrário de outras vezes, não foi no quarto, mas em um cinema: sentadas em poltronas, com roupa, rodeadas de gente. Para nós foi uma novidade, e foi lindo ver a diversidade de experiências: pessoas sozinhas, casais, grupos de amigos, alguns até mesmo comendo pipoca. E foi maravilhoso sentir a naturalidade com que compartilhamos este espaço que costuma ser tão restrito ao privado, junto com a troca de opiniões que vinha depois. Tivemos conversas intermináveis, cerveja em mãos, sobre as nossas preferências, não apenas em relação à pornografia, mas ao sexo em geral, às nossas procuras, inquietudes, desejos. E partindo daí, fizemos grandes amigxs com quem compartilhamos longas horas, e de quem nunca chegamos a saber o que faziam da vida ou com quem moravam.

Vimos corpos embebidos em mel, vimos um torno moldando cerâmica e ficamos exitadas, vimos frutas e plantas misturadas com corpos, vimos a reescrita de um conto de fadas, vimos sexo hetero, sexo queer, sexo com câmeras; vimos a história de uma masturbação impossível mas desejada com um cacto – desejada porque impossível? – a pele se aproximar até roçar milimetricamente contra suas pontas, gritamos, suspiramos, fechamos os olhos e o cu de dor, abrimos sem pestanejar para continuar a olhar, passamos sede e fome durante horas em frente à tela, escrevemos impressões no escuro e caiu a noite uma ou outra vez sem percebermos.. 

Do Festival ficamos com novas perguntas e interlocutores com quem continuamos a pensar a pornografia e a certeza de que faltam espaços para falar abertamente sobre estas questões, sem preconceitos, vergonha ou desconforto. Acreditamos que é necessário abordar a pornografia com a responsabilidade que ela exige, e agarrar com as duas mãos este instrumento de prazer e transformação. Não temos muito a dizer sobre a cidade, porque não conseguimos visitar tanto dela, mas aqui estão algumas coisas a recomendar desta viagem:

AsfixiaBedtime stories–, Noel Alejandro [Espanha]
Autoprazer Ciclo y Autoprazer árida, EdiyPorn [Brasil]
EEG Orgy, Almond Linden [Alemanha]
Honeydew, Vesperal [França]
Moondark, Marcus Quillan [Reino Unido]
Morgana, Isabel Peppard / Josie Hess [Austrália]
Perestroika, Sascha-Alexandra Zaitseva / Lars Kollros [Áustria]
Progressive touch, Michael Portnoy [EUA]
The Camera and I, Shine Louise Houston [EUA]
The grapefruit technique, Ivan Sobris [França]
Urban Smut, Theo Meow / Katy Bit / Finn Peaks / Jô Pollux / Candy Flip [Alemanha]


Foto: Cena de Perestroika, de Sascha-Alexandra Zaitseva e Lars Kollros


Texto original publicado pela Radio Muito

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