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Desista (em 03 atos), conto de Mayk Oliveira

por Mayk Oliveira
Foto de Luísa Machado para ilustrar o conto "Desista (em 03 atos), de Mayk Oliveira.

Mayk Oliveira, sertanejo de Delmiro Gouveia nas Alagoas, é professor de História, Letras, músico e membro do movimento Arborosa. Já escreveu três livros de poemas: Livro dos Delírios (Parresia, 2020), Pétrino Astéri (Parresia, 2021) e Alcatrão Com Grilos (2022), um romance (a publicar) e um livro de contos Molhados Enxutos (2021).


Desista (em 03 atos)

Para Wellington Amâncio

I – Os vadios

Era começo de tarde, pouco antes do almoço, um dia nublado de cor pálida. Apressava-me para driblar a rua fedida a caminho da feira. Percebi o quanto havia sido sugado por aquela condição do ofício, todo tempo empregado em situações imperativas, que de bom grado me colocara por vontade. Quando me confrontei inesperadamente com palavras de exortação à luta – assim boas ou más – proferidas por um vigia:

– Amanhã haverá o que precisa ser dito.

Sem precisão ou aviso entendi a inclusão da minha presença e prosseguir enfático.

– Desista!! Apenas terás tempo para falar quando decerto primeiro estar-se pronto para ouvir. E virando de lado rápido, como quem rouba, coloquei as mãos no bolso, dei-lhe as costas como adeus. 

Virei-me sorrindo como Monalisa e querendo gargalhar como as pessoas quando querem a solidão do seu gesto mortal de indiferença.

II – O novo morador

Madrugada silenciosa e fria; céu de uma azul turquesa profundo; nenhuma estrela a indicar um caminho. Eu percorria um beco, apressadamente; não havia transeuntes. Chegara da aula; queria dormir urgentemente – não apenas a pedido do corpo cansado, mas para esquecer momentaneamente os últimos acontecimentos. Eu pensava sobre o Incômodo. O que é o Incômodo? O que Incomoda e por quê? A rua estava limpa; não havia pedra à frente e no caminho; caminhando pelo beco de paredes antigas, paralelas, perspectivadas; tudo era passagem, aparentemente, e eu ali, incomodado com o modo como a cidade se vestia, desconhecido para mim. Cidade nova, emprego novo, pessoas novas; amizades por fazer. O que é o Incômodo? Ora, segui pensando nestas coisas, até avistar, há alguns passos, um vulto que se definia aos poucos. Logo o identifiquei; era um guarda, taciturno em sua farda quarada. Perguntei-lhe, “Como chego à rua H.? Disseram-me que após esse beco…”. Ele me encarou e disse:

– Não é beco. É viela… Viela não tem saída.

– Que outro caminho há para a rua H., além desse muro?

– De mim você quer saber o caminho?

– Sim – eu disse -, uma vez que eu mesmo não podia encontrá-lo.

– Desista, desista – disse ele e virou-se com um grande ímpeto, como as pessoas que querem estar a sós com o seu riso.

III – O Caminho

Era de manhã bem cedo, as ruas limpas e vazias, eu ia para a estação ferroviária. Quando confrontei um relógio de torre com o meu relógio, vi que já era muito mais tarde do que havia acreditado, precisava me apressar bastante; o susto dessa descoberta fez-me ficar inseguro no caminho, eu ainda não conhecia bem aquela cidade, felizmente havia um guarda por perto, corri até ele e perguntei-lhe sem fôlego pelo caminho. Ele sorriu e disse:

– De mim você quer saber o caminho?

– Sim – eu disse -, uma vez que eu mesmo não posso encontrá-lo.

– Desista, desista – disse ele e virou-se com um grande ímpeto, igual as pessoas que querem estar a sós com o seu riso.


Foto de Luísa Machado.

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