Daniel Giotti é professor de Direito, mas gosta mesmo é de escrever. Organizou o livro de poesia “Inverso Direito” e contribui com crônicas e ensaios em jornais e revistas brasileiras. Faz resenhas sobre música, literatura e cinema no podcast “PapoProsaPoesia” e no perfil do Instagram de mesmo nome.
Uma mulher tem o diabo no corpo. A acusação sai primeiro da boca da própria avó. Depois é referendada pela mãe – quem também teve lá seus problemas com o diabo. A sentença persegue Eva por toda a vida, marcando-a na superfície do corpo e no fundo da alma: “Gargalhei. Ela [minha mãe] logo identificou o demônio em mim, espalhado e à vontade dentro dos meus ossos que sacudiam em riso solto de controle” (p. 25).
Nara Vidal, 3º lugar do Prêmio Oceanos 2019 com o romance Sorte (editora Moinhos, 2019), continua com esplendor no gênero com o recente Eva (Todavia, 2022). Em pouco mais de cem páginas, a autora constrói uma mulher complexa, sumarizando fatos e impressões de várias fases da personagem.
Acompanhamos Eva quando criança, convivendo com o fardo do nome escolhido pelo pai e da herança de conduta deixada pela mãe; depois, mulher adulta, ao ter de lidar com os afetos, que resultam em relacionamentos instáveis.
Profissionalmente, Eva ensina português para alunos e alunas que fazem pouco caso dos esforços dela, além de sofrer com os reflexos de suas próprias escolhas de vida.
Eva é uma mulher complexa, uma personagem profunda que só intuímos parte da figura completa pela leitura integral do romance.
Superfície, Profundo e Fundo são as três partes do romance. Da tríade, o segundo ponto é onde mergulhamos. O primeiro e o último são mais curtos.
Nara Vidal confirmou em entrevista para o jornal Tribuna de Minas: Eva nasceu como conto. Foi desfiando o enredo que a autora descobriu haver mais história naquela personagem. Mais inconsciências para desvendar. E, de fato, há muito inconsciente para quem se aventura na vida de Eva.
Nas reminiscências da memória, a mãe, “uma mulher (…) que gostava de cuba-libre e de segurar a saia para dançar”, consolida-se, para Eva, como o modelo de mulher – altiva, provocadora, independente. “Gostava de pintar as unhas de vermelho. Fechava a porta do quarto com chave aos sábados de manhã”.
Eva tenta espelhar-se na mãe, mas parece que aquele velho mote psicanalítico ressoa constantemente na existência da filha: “o amor é um ato solitário”. Os amantes de Eva são passageiros. O laço afetivo com o filho é fugidio. Ela é incapaz de solidificar relações.
Até cogita num amor correspondido pelo sexo. Ou talvez apenas no desejo. De qualquer forma, o “amor”, para Eva, é “1. equívoco; 2. expectativa; 3. desespero; 4. engano; 5. decepção” (p.17).
Focar em amor e relacionamentos, como nos parágrafos acima, é apenas um recorte da personalidade de Eva. Um recorte superficial como a ponta de um iceberg. Eva é uma mulher complexa, uma personagem profunda que só intuímos parte da figura completa pela leitura integral do romance. Depois, o que continua submerso, completamos com outras obras, achando pistas para desvendá-la em livros que nos falam sobre Eva sem nunca dizer seu nome.
Ficha técnica:
Eva
Nara Vidal
Todavia
112 páginas
Físico: R$ 54,90 / e-book: R$ 37,90
Foto de Luísa Machado.
Comment (1)
Belíssima resenha. Deu vontade de ler agora, tamanha identificação de mim com Eva. Obrigada, pela oportunidade e indicação, Daniel