Yvonne Miller nasceu em 1985 na Alemanha, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Mirada, 2021). Pela Aboio, publicou Deus criou primeiro um tatu – Crônicas da Mata (Ed. Aboio, 2022).
Meu aniversário tem sido uma data meio traumática desde a primeira vez que tentei comemorá-lo em Fortaleza. Isso foi em 2018. Já morava na cidade havia um ano e pouco e conhecia um punhado de gente que eu considerava, se não amigos íntimos, no mínimo conhecidos próximos. Resumindo e adiantando os fatos relevantes: não apareceram. Ninguém. Minto. Apareceu a Vittória, amiga da minha enteada, que havíamos convidado para fazer companhia à Morena no meio do povo adulto. Mas o povo adulto não veio e a mesa reservada num restaurante ficou vazia com exceção da Larissa, Morena, Vittória e eu. Nesse dia aprendi o significado do verbo “furar”. Senti uns furos também se abrindo dentro de mim.
Depois de três anos fora, ontem voltaria a comemorar meu aniversário em Fortaleza. Cuidei de não falar do meu dia para muitas pessoas, pois quem não sabe não pode esquecer. Disse também, no convite para o que ia ser “uma reuniãozinha” – não uma festa, pois melhor manter as expectativas no chão –, que ninguém se preocupasse em me dar um presente, pois o presente ia ser a presença. Ganhei presentes mesmo assim. Curiosamente, os primeiros vieram de pessoas que não sabiam do meu aniversário. Logo de manhã foi o amigo-cronista Anthony Almeida, que me presenteou com um áudio: “Ei, sonhei contigo. Você tava publicando um livro novo – as ‘Crônicas do deserto’ – num país lá das Arábias. Aí eu ia no lançamento, só que estava perdido no meio das dunas sem achar a livraria. Era um lugar parecido com Jericoacoara, só que com uma pegada árabe.” Foi assim que comecei o dia com altas gargalhadas. Depois veio a vizinha do lado. Larissa e eu estávamos tomando café com a porta aberta quando ela chegou subindo as escadas e o olhar caiu na nossa sala: “Vocês ainda não têm plantas, né? Peraí.” Entrou no apartamento dela e voltou com três mudinhas: um cacto (adoro!), uma jiboia (linda!) e uma espada de São Jorge (importante!). Depois foi o Anthony de novo, publicando uma crônica-presente intitulada “Sobre uma não-dedicatória”, em que, entre referências a Rubem Braga e Luís Henrique Pellanda, apareço como personagem. Tudo isso antes dele saber que era meu aniversário. Quando soube, ele se espantou tanto com a coincidência quanto eu.
Ganhei também mensagens fofas vindas de vários países, de parentes, amigos e conhecidos, próximos e distantes, de longa data ou recentes. E à noite, na reuniãozinha, ganhei a presença de todos – quem não podia vir já tinha avisado – e mais alguns presentinhos de coração. Íamos terminar por volta de dez horas – no fim das contas, era uma quarta-feira –, mas fomos até a uma da madrugada. Talvez até possa ser chamado de festinha. Pessoas queridas, comidinhas e bebidas gostosas, conversa, riso, música, aquele parabéns com a chuva que cai, e nada de furos. 2023 é ano de recomeços.
Fortaleza, 8 de junho de 2023
Arte: 臺北高等學校紀念祭(校慶)繪葉書(明信片)素木洋一/Pintura em cartão-postal para o aniversário do colégio Taihoku, por Shiraki Yoichu.