ato escreve e vive para isso, é estudante de direito nas horas vagas pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Amante de azeitonas, gatos e crítica assídua de suas próprias produções, tem o irritante hábito de escrever sobre seus amigos e sobre os desconhecidos que tenta entender por aí.
Telefono pela manhã, a voz ainda sonolenta da minha avó ressoa do outro lado da linha. Me apresento, pergunto como passou a noite, se a dor nas costas ainda atrapalha. Ela ignora dizendo “Viu a guerra? Começou!”, respondo a ela que não vi, pergunto do que se trata e impaciente me explica fatos desalinhados sobre o mundo que não conhecemos. Ao final, declara, “Menos poder aos poderosos, é disso que precisamos”. Relembro as histórias de juventude revolucionária: greves, desobediência civil, debates políticos e protestos — nos quais conheceu e se apaixonou por meu avô, na época anarquista e com senso estético apurado, com quem atravessou o Atlântico e trouxe as ideias de revolução na mala. A conversa se desenrola para as tarefas da tarde. “Bolo de maçã, talvez uma torta de maçã, quem sabe, se tempo me faltar, apenas uma maçã cozida no forno”; conto que a receita de mjadra finalmente deu certo, estava errando a quantidade de água. Peço por uma indicação de música, sei que vou receber a mesma dos últimos dois meses: Tarde Triste – Nana Caymmi. Uma pausa longa …………………… e a pergunta “Quem tá falando?”, me apresento novamente e ela corre a perguntar se ouvi sobre a guerra, insisto no não e a conversa recomeça e se desenrola dentro de nós, deixando insignificantes rastros do lado de lá. Quando finalmente desligo, reduzo o mundo a um amontoado de guerras, maçãs e música. Não é isso, afinal, de que se trata?
Foto de Luísa Machado.