Yvonne Miller nasceu em 1985 na Alemanha, mas prefere o calor do Nordeste brasileiro, onde mora desde 2017. Cronista e contista, tem textos publicados em várias antologias e é uma das organizadoras e coautoras da coletânea de contos cearenses Quando a maré encher (Mirada, 2021). Seu próximo livro, Crônicas da Mata (título em construção), vai ser publicado em breve pela editora Aboio.
Quando me mudei para Pernambuco, fiz uma promessa: aprenderia a brincar carnaval.
— Pois, bora! No sábado tem um bloco tradicional que vocês vão A-DO-RAR — assegura nossa nova amiga pernambucana.
Tenho lá minhas dúvidas, mas sábado estamos no lugar combinado. A praça já está lotada, e nossa amiga acena do meio da multidão. Respiro fundo e mergulho no mar de glitter e sombrinhas coloridas. Emerjo ao lado de um grupo de mulheres com chapéus pontiagudos e cartazes nas mãos: “Na atual conjuntura medieval, estamos do lado das bruxas.” Eu acho é justo e já começo a me sentir mais à vontade quando, de repente, o bloco se põe em marcha. Nossa amiga-conhecedora-de-carnaval recomenda ficarmos bem pertinho da banda para curtir ao máximo. 80% dos foliões tiveram a mesma ideia, mas aí vamos. Prensada entre minha esposa de um lado e a amiga do outro, peitos desconhecidos grudados nas minhas escápulas e minha barriga se esfregando involuntariamente na costa do homem suado à minha frente, flutuo pela rua, os trompetes gritando no meu ouvido. Um carro faz questão de abrir caminho entre os foliões. Os da frente param, os de trás empurram, a banda toca. Meus pés nem encostam no chão, mas tem pessoas que ainda assim conseguem dançar. Finalmente, o carro passou. Ganho um mínimo de ar à minha volta, meus pés descem ao chão e retomo a respiração. Consigo até sorrir um pouco. Nossa amiga acha que ficamos longe da banda e nos puxa de novo pro meio da brincadeira.
São só dois quilômetros de trajeto, penso, e nas próximas horas esse será meu mantra de salvação. Alguém pisa na minha chinela e continuo semi descalça – dois quilômetros. Quase tenho um olho furado por uma sombrinha colorida – dois quilômetros. A banda canta dos coqueirais de Olinda, enquanto um senhor barrigudo com uma jaca na cabeça termina sua coreografia no meu pé – dois quilômetros (mancando). Após uma hora, percebo que mal saímos da praça. Finalizo os dois quilômetros na calçada.
— Não gostou? — pergunta nossa amiga depois, suada, radiante e incrédula.
— Adorei — respondo. — Só que prefiro respirar.
Recife, fevereiro de 2020