Do amor e suas marcas, prosa de Camila Martins

por Camila Martins
Foto ilustrativa para a primeira parte do texto "Do amor e suas marcas", de Camila Martins.

Camila Martins é paulistana, taurina, socióloga e atua há mais de uma década como jornalista e produtora de conteúdo. Depois de tanto escrever para os outros, iniciou a travessia para encontrar uma escrita que transforme em linguagem seus desejos e experiências. Atualmente cursa a pós-graduação em Formação de Escritores, no Instituto Vera Cruz, e o Curso Livre de Preparação de Escritores com foco em Poesia, na Casa das Rosas. “Três segundos de frente para o abismo” é seu livro de estreia.


PARTE 1

1.

A tinta fresca fazia do quarto um ambiente ainda inóspito. Os tons de amarelo e lilás exalavam um cheiro que atingia em cheio a barriga de 34 semanas com azia e vômitos fáceis. Por isso, Luiza não cruzava o limite do batente.

A poltrona de camurça resgatada da casa da avó estava ali, entre o berço e a cômoda, e no mundo ideal, ela já poderia sentar-se confortavelmente para contemplar e esperar. Esperar sua hora.

Queria mesmo era ter contratado um faz tudo para transformar o quarto extra em quarto do bebê, mas Léo reivindicou o trabalho e atrasou a entrega em oito semanas. Disse que faria das paredes sua melhor obra e por mais que Elena achasse fofo, sabia da desculpa para se enrolar.

— Oi, gostosa – disse Léo ao chegar, abraçando o corpo da mulher ainda apoiado no batente da porta.
— Nem ouvi você entrando. Tudo bem?
— Ainda não consegue entrar?
— Nossa, não. Mais um vômito e essa menina nasce desidratada.
— Luiza, que horror!

Eles riram abraçados.

2. 

Quando Léo propôs morarem juntos, Luiza não soube muito bem o que responder. O dia estava ensolarado, com um calor ameno, e eles combinaram de se encontrar em um bar a céu aberto, cadeiras de praia e cerveja gelada, bem perto da casa dela.

Léo já estava lá e, quando a viu se aproximar, levantou da cadeira e a recebeu com um selinho e um abraço apertado. Disse que ela estava linda com os cabelos cacheados soltos e já tinha pedido uma porção de ostra pra começar.

Ele amava ostra e Luiza achava muito engraçado comer esses bichinhos do mar em uma calçada da rua Fradique Coutinho, entre buzinas, gritos de guardadores de carros e jovens de vinte e poucos anos passando com copos de bebida na mão. Ela também via graça no jeito milimetricamente displicente de como Léo se vestia. Uma camisa estampada com os três primeiros botões abertos, shorts curto estilo anos 80, sandália de dedo e uma ecobag do MoMA sempre a tiracolo.

Eles fizeram um brinde com copo americano e Luiza logo emendou.

— Chamei a Gabi pra vir aqui. Ela mandou mensagem mais cedo e achei que seria uma boa.
— Hum… queria ter um tempo só pra gente hoje.
— Você vai dormir em casa, não vai? Pensei em ir em um show a noite, se você animar.
— Sim, sim, vou dormir lá, mas eu queria ter tempo com você, sabe? Conversar sobre algumas coisas. — Falou Léo, enchendo os copos.
— Aconteceu alguma coisa? 
— Não, não aconteceu nada. Bom, não aconteceu nada de ruim, mas…
— Léo, tô ficando nervosa. O que tá rolando? 
— Lu, seguinte, já faz mais de um ano que estamos juntos. Eu nunca me dei tão bem com alguém. — Luiza imagina onde isso vai acabar. — A gente conversa sobre tudo, gosta de sair, de ficar com os amigos, de beber na rua, de ir em exposição, e, sei lá, sabe?, eu e você, assim, é bom, né​​? — Por não querer estar sozinho pra pergunta final, não percebe que esvaziou o copo. — Então… o que acha da gente morando junto?

Seria mentira dizer que ela não esperava por isso. Não era a primeira vez que ele ressalta os pontos positivos do relacionamento, mas, até então, não havia passado das reticências. 

Luiza também não achava má ideia morar com Léo. Seria ótimo acabar com o vai e vem entre bairros e dividir as conta de casa. Mas a proposta fazia, inevitavelmente, reviver a dor e o término do último relacionamento dela.

Mesmo depois de cinco anos, o fim ainda habitava o pensamento dela. Luiza tinha acabado de sair do banho com uma toalha enrolada no corpo e outra no cabelo. Foi até a área de serviço pegar uma blusa no varal e, antes de chegar ao quarto, foi ao encontro do ex. Nenhuma música tocava pela casa e ele estava deitado na rede, pendurado na varanda do escritório. O prédio era dos anos 50, com todos os cômodos, menos a cozinha e o banheiro, desembocando  na grande varanda com detalhes em cobogó. 

De frente para ele, deixou a toalha do corpo cair como brincadeira.

— Dá tempo de uma rapidinha e antes do cinema, que tal? — E foi aproximando o corpo do dele.

 Ele esboçou um sorriso, mas logo fechou a cara e saiu da rede.

— Luiza, tá na hora de parar de fingir que tá tudo bem. Rolou a viagem e o combinado era terminar na volta.
— Sim, eu sei, mas parece que as coisas melhoraram tanto desde que a gente voltou. A gente tá se dando tão bem.
— Não é sobre se dar bem, Luiza. A gente pode até tá se dando bem, mas as nossas vidas tão indo pra lugares completamente diferentes. Você fica presa na agência todos os dias sem hora pra sair e eu quero experimentar outras coisas. Não tô pronto pra viver de casinha, cineminha, rapidinha. E não quero ser desonesto com você, de jeito nenhum.

Alguns dias depois, Luiza fez as malas entre soluços e abraços. Resolveu que dali só levaria as roupas, os livros e os quadros que já eram dela. O jogo de taças vermelho, o sofá quase novo, o lençol de 400 fios, o guarda roupa de madeira rústica e tudo que compraram em casal não a acompanharia. A casa ficaria para trás.

— Lu, olha, eu tenho um presente pra você. — Léo tirou da ecobag um quadro com moldura de madeira e fez com que ela voltasse para a cadeira de praia no meio da rua. — Ainda não é uma aliança, mas quem sabe….

Luiza segurou a moldura com as duas mãos. Começou a reparar na gravura das duas escovas de dentes dividindo o mesmo pote, impressas no metal . As iniciais do artista logo abaixo. Quando virou o quadro, viu o nome da obra: do amor e suas marcas

3. 

a destempo dos convites
entrega aos encontros

fé nas partilhas
adentrei a casa

os bibelôs na cristaleira
panos antigos bordados

o guarda-roupa mal dividido
concessão no convívio 

tempo transforma morada
não prepara a partida

chave na mão
você sai 

Luiza releu os versos recém-criados com o prazer incômodo de sempre e os enterrou no caderno de capa vermelha, junto aos outros escritos. Ser a própria coveira tornou-se um hábito desde o dia que ouviu da mãe que antes de tudo, é preciso garantir o sustento. As fagulhas artísticas foram parar na publicidade. Teve, então, a ideia de montar uma coleção particular de afetos e memórias.

Como a fotografia feita por uma amiga em Salvador, no dia de Iemanjá. Nela, o azul do céu e do mar se misturam e servem de fundo para o rosto de uma filha de santo, com seu turbante enrolado na cabeça, contas azuis e brancas no pescoço e uma rosa na mão. Luiza queria muito ter ido nessa viagem, mas a primeira semana de fevereiro era a mesma da entrega de um projeto importante. Ficou com a imagem. 

Depois veio a pintura em tinta a óleo de cores neon e elementos gráficos pop. Um amigo que trabalhava com ela como diretor de arte queria largar os anúncios e se dedicar ao que gostava. Para incentivar a empreitada, Luiza se tornou a primeira pessoa a adquirir uma tela dele. 

Um investimento foi feito na peça de tapeçaria de outra amiga. Ela queria fazer uma residência artística para aprender a técnica no Peru e algumas pessoas ajudaram a pagar a viagem em troca de suas criações. Essa é uma das favoritas de Luiza.  

Tinha também a sua silhueta desenhada em carvão pelos traços disformes do ex. Além de algumas outras obras.

A gravura feita por Léo se juntaria às outras no sobrado alugado por eles. A casa nova era maior do que precisavam, mas ele insistiu em um espaço para o ateliê, um escritório para Luiza e um quarto extra. Ela ia se apertar financeiramente, mas aceitou. 

4. 

— O Léo não tem um pingo de responsabilidade. Viaja e te larga aí nessa condição – Esbravejou a mãe de Luiza ao telefone.
— Mãe, primeiro, o Léo não me largou aqui. Eu tô na minha casa enquanto ele viaja a trabalho. Segundo, essa condição se chama gravidez e não tem nada de errado com a minha, graças a Deus.
— Mas, filha, você já tá quase pra ganhar bebê. Já pensou se acontece alguma coisa e você tá sozinha? Não acha melhor ficar aqui em casa até ele voltar? Eu e seu pai podemos te dar uma força…
— Não precisa mãe. Mesmo. A gente tá tão pertinho, que qualquer coisa eu ligo e vocês vêm correndo pra cá. E o Rio de Janeiro é aqui do lado. Se eu entrar em trabalho de parto, aviso o Léo e ele vem. Chega antes da bebê nascer.

Luiza desligou o telefone e permaneceu sentada na poltrona de camurça. A barriga de 38 semanas exigindo descanso. Léo foi convidado para participar de uma exposição coletiva em uma galeria no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e achou fundamental acompanhar a montagem da obra. Disse que seria jogo rápido, iria de avião e passaria só quatro dias fora. Luiza gostou da ideia. Depois de tanto tempo, teria a casa só para ela. Uma situação cada vez mais inimaginável em um futuro muito breve.

O cheiro da tinta já tinha findado e um odor infantil tomava conta do ambiente: as roupas recém-lavadas em cima da cômoda, o antimosquito na tomada, o difusor na mesa de cabeceira, até mesmo as lavandas e os girassóis pintados na parede. Tudo ali exalava a inocência alegre da espera de um bebê. 

Entre o cenário montado, a preocupação da mãe e a ausência de Léo, Luiza se esforçava para imaginar a bebê nos braços dela. Além de sua chefe, ninguém mais sabia dessa dificuldade. Da dificuldade em se enxergar mãe. 

Com pouco mais de seis meses morando juntos, viu o resultado positivo no teste de farmácia. Saiu do banheiro e foi ao encontro de Léo no ateliê, que trabalhava em uma nova série de xilogravuras, talhando animais na madeira. Ela puxou uma cadeira, sentou do lado dele e pediu atenção. Com as mãos suadas e os lábios trêmulos, disse que sim, estava grávida.

Léo levantou em um pulo e ergueu o corpo de Luiza apoiado sobre a mesa. 

— Lu, nós vamos ter um bebê! — E beijou por diversas vezes o rosto molhado da mulher. — Que coisa maravilhosa, meu amor…

Luiza se surpreendeu com a reação de Léo e não conseguiu falar mais nada. Sentiu vergonha por não compartilhar da mesma alegria, do mesmo entusiasmo. Não era mais uma menina, mas se sentia tão jovem para ser mãe. Tinha planos, muitos planos, e o principal deles era parar de trabalhar em, no máximo, dois anos para dedicar-se ao livro.  

Desejava escrevê-lo em Barcelona. Já sabia de cor a grade do curso de escrita criativa. Economizava pra realizar o grande sonho de morar na Espanha. Percorreria a costa nos feriados e fins de semana: Cala Salada, Playa de Las Canteras, Es Caragol, Donostia, Santander. Teria a pele bronzeada pelo sol do mediterrâneo e tomaria taças de cava pagando um euro.

Mas agora, não. Não poderia deixar o emprego com uma criança para criar, ainda mais com Léo sem ganhar uma renda fixa por mês. Teria que, mais uma vez, adiar planos para garantir o sustento. 

Quando foi anunciar a gravidez para nova chefe, sentiu, pela primeira vez, a vontade de falar com sinceridade sobre o assunto. Luiza havia trocado de agência há pouco tempo e as relações permaneciam profissionais. Sem a obrigação de vestir um sorriso, nem causar surpresa, encontrou a chefe na copa e logo contou a novidade. Disse que estava disposta a trabalhar até a hora do parto chegar e que não emendaria o mês de férias com a licença maternidade.

A chefe ouviu tudo calada, sem nenhuma reação exagerada.

— Luiza, fica tranquila. Você não precisa decidir nada disso agora. A gente gosta muito de você e do seu trabalho. Tem tempo pra gente se organizar. Além disso, parabéns.

Luiza levou as mãos ao rosto — Eu não tô pronta —, e chorou.

— Poucas de nós estão, mas você vai dar um jeito. 

5. 

Os ombros arqueados já não têm tempo de voltar ao lugar. A coluna percorre uma curva sinuosa em uma estrada longa, com trechos perigosos a cada três minutos. Quando o corpo passa por um deles, não consegue relaxar, sabe que logo mais virá o próximo. Olhos e dentes permanecem cerrados pela ansiedade. Como aquela pulsante durante a subida de uma montanha russa, na qual os segundos e os minutos parecem mais dilatados e é impossível prever quando vai despencar no abismo.   

O rugido quebra o silêncio tenso. Não é um grito, mas o rugido de um animal pronto para atacar. A explosão de uma força interna desconhecida e assustadora. Um rugido contra o tempo de espera das contrações ritmadas.

A doula sugere que ela saia da cadeira de rodas e vá até o chuveiro. Léo a guia pela mão, confere a água morna e faz seu corpo de apoio à espera da nova onda de dor. Enquanto isso, Luiza balbucia palavras ininteligíveis, como uma oração às mulheres de outras línguas e outros tempos.

Há 41 semanas ela se prepara para isso. Desde que soube da gravidez, sua presença está aqui, no momento do parto. No medo do momento do parto. De seu corpo ser desobediente e impedir que a criança venha com saúde. Imagina sua pélvis fraca. Pede a mão daquelas que vieram antes. Para a memória ancestral de uma força feminina e selvagem. 

Já são 12 horas em trabalho de parto. Luiza com a consciência entre mundos, ainda embaixo do chuveiro, tenta se concentrar na respiração. Em breve estariam juntas, conheceriam seu rostinho. Veria nele a irmã, a mãe, a avó, a bisavó, a genética feminina prevalecente da família.

A médica pede que ela volte à maca para avaliar o cardiotoco e invoca a presença do pediatra. Sofrimento fetal.

Léo pede para que eles falem mais alto. Luiza exige ainda mais de sua concentração. O pediatra explica que, assim como ela, a bebê sente dor e está cansada pelas contrações sem folga. Por isso, os batimentos cardíacos estão muito baixos e pode acontecer alguma complicação enquanto aguardam os dois dedos de dilatação. Recomenda uma cesária de urgência.

Luiza não titubeia, não quer ver a filha em sofrimento e em pouco tempo já estão na sala de cirurgia. O anestesista se aproxima para aplicar a raqui, mas ela treme tanto que três seringas são amassadas até que o médico consiga fazer a sedação. Léo, ao seu lado, diz que agora já está quase acabando.

A médica faz o corte no abdome de Luiza. Em poucos minutos coloca a bebê no peito dela, ainda ligadas pelo cordão umbilical pulsante. A mãe cai em um choro manso e repete o mantra:

— Você conseguiu, minha filhinha. Você existe, minha Rosinha.

6.

O corte me faz menos mulher?
A falta de dilatação me faz menos mãe?
O seio empedrado me faz menos capaz?
Devo somar essas culpas à minha coleção?
Quantas culpas suporta o corpo de uma mulher?

Luiza enterrava mais versos em seu caderno quando Léo entrou no quarto da bebê carregando uma bandeja com pão na chapa, vitamina de abacate e um pedaço de bolo de cenoura com chocolate. 

— Você precisa comer, Lu. — Disse apoiando a bandeja na frente dela. — E quando você vai me mostrar o que anda escrevendo, hein? Estou curioso para ler a minha autora preferida.

Luiza riu, fechando o caderno, e o colocou na gaveta da cômoda.

— Obrigada, meu amor. Hoje acordei um pouco melhor, com fome. Logo mais a consultora de amamentação vai chegar. Você vai conseguir acompanhar?
— Vou sim. Depois precisamos falar da minha viagem pro Rio. O curador quer conversar comigo. O ideal é ir daqui uns 15 dias.
— Olha, Léo, eu não acho legal você ir viajar e me deixar aqui sozinha com a Rosa, ainda mais com todo esse problema da amamentação. 

A campainha tocou, interrompendo a conversa. 

O seio farto e empedrado era incapaz de inferir peso à Rosa e fez com que Luiza também perdesse quilos e cabelos. Nunca pensou que seria preciso recorrer a uma consultora de amamentação, nem que o bico do peito fosse dividir o espaço com uma pequena sonda, cheia de fórmula, dentro da boca da filha. 

Algo parecia infringir a ordem natural das coisas: engravidar, parir, amamentar. No primeiro, sentiu mais medo do que felicidade. No segundo, ganhou um corte na barriga. No terceiro, faltou leite.

Era esse o tipo de pensamento que acompanhava os passos de Luiza pela casa. Em alguns poucos minutos de lucidez, tinha consciência da autopunição, mas logo em seguida era afogada pela enxurrada de sentimentos e sensações do puerpério: tinha cheiro de sangue e morte.

7. 

Rosa caiu no sono com a boca pressionando o seio de Luiza. Isso parecia impossível nas primeiras semanas de maternidade, mas agora, com Rosa prestes a completar quatro meses, sentia orgulho da mandíbula forte da filha e apreço em prolongar esse momento. Por isso, a ninou mais um tempo no colo, antes de colocá-la no berço.

À tarde, a filha dormia por quase duas horas, dando à mãe chance de lavar o cabelo, prendê-lo em um coque alto e trocar o macacão de malha preto pelo vermelho. Com o corpo ainda úmido e a babá eletrônica em mãos, deitou na rede pendurada na sala e contemplou o sol refletindo na parede de quadros, seu canto preferido da casa.

Depois de observar cada peça pendurada e lembrar das histórias, pegou o celular para ler algumas notícias e olhar as redes sociais. Foi quando percebeu a mensagem privada de um nome desconhecido e apenas um amigo em comum.

Oi, Luiza, tudo bem?

É preciso que saiba: não me sinto nem um pouco confortável em te escrever essa mensagem. Nunca imaginei me colocar nessa situação, nem fazer isso com qualquer outra mulher. Por isso, antes de qualquer coisa, te peço desculpas.

Me chamo Júlia, sou produtora e moro no Rio de Janeiro. Conheci o Léo pouco antes dele vir para a montagem da exposição. Fizemos uma reunião online, ele me adicionou no Instagram e quando chegou aqui já estava muito claro que rolaria algo entre a gente. Passamos quatro dias incríveis juntos e continuamos nos falando.

Eu nunca imaginei que ele fosse casado, muito menos que teria uma filha. No perfil dele só tem foto das obras dele e coisas de trabalho.

Há pouco mais de três meses ele voltou pra cá. A gente tava em um bar no Baixo Gávea, junto de um grupo de amigos, quando um conhecido dele se aproximou e perguntou de você e da Rosa. Ele não deve ter percebido que o Léo tava acompanhado de outra pessoa. Na hora eu fiquei me perguntando se tinha entendido certo. Quando o cara foi embora, chamei o Léo de canto e pedi pra ele me explicar se era aquilo mesmo ou se eu estava ficando louca.

Depois de relutar, ele finalmente abriu o jogo. Disse que o casamento não estava bom já fazia tempo, mas com a gravidez resolveu esperar até o nascimento da filha pra pedir a separação. Depois não conseguiu sair de casa porque você estava sofrendo muito no pós-parto, totalmente descontrolada emocionalmente. Pediu pra eu ter um pouco de paciência.

Naquela mesma hora eu pedi pra ele voltar pra minha casa, tirar todas as coisas dele de lá e ir embora. Falei também que se ele continuasse a escrever eu contaria tudo pra você.  E é por isso que te mando essa mensagem.

Peço perdão, mas tenho certeza que você não merece ter uma pessoa como ele ao seu lado. Um homem que procura mulher na internet e transa sem camisinha enquanto a companheira tá em casa, grávida.

Luiza leu a mensagem mais cinco vezes e sentiu o formigamento do corpo aumentar a cada uma delas. Os pensamentos ficaram confusos e as memórias também. Tinha para si apenas boas lembranças da gestação e, por mais que o puerpério tenha sido complicado, sentia-se amparada pelo marido bem-humorado e que a enchia de flores e doces sempre que voltava para casa.

Levantou em um pulo e arremessou longe as astromélias enfeitando a mesa da sala. Rosa começou a chorar, mas, ao invés de correr ao encontro da filha, Luiza sentia uma bigorna presa aos pés, impedindo qualquer tipo de movimento. Mal respirava, queria gritar, mas nem a boca conseguia abrir. Rosa chorando ainda mais.

Sentiu o corpo todo despencar no chão e foi engatinhando até o celular que voou junto com o vaso. Tremendo muito, encaminhou a mensagem de Júlia para Léo. A palavra digitando aparecia e desaparecia da tela. Rosa quase não tinha mais fôlego.

Em 15 minutos chego ai. 

Luiza subiu as escadas apressada e pegou a filha, a beijou, pediu desculpas pela demora e a colocou no peito, mas nada de leite. Devolveu Rosa para o berço ainda chorando, procurou a chupeta e esperou que aquilo fizesse efeito. Ouviu a porta abrir e passos chegando ao encontro das duas.

— Amor…
— Aqui não, some da minha frente.
— Luiza, ela tá louca, não acredita nisso.
— Eu já falei que aqui não, seu filha da puta.

Léo saiu, enquanto ela tentava acalmar a criança e massageava o seio. Chorou. Sentou na poltrona de camurça ao lado da filha e chorou junto com ela até alcançarem o mesmo ritmo e a exaustão do pulmão. Rosa dormiu de cansada, Luiza arrastou-se até o corredor e parou com a cabeça escondida entre os joelhos. Ele a avistou da porta do quarto do casal:

— É tudo um mal-entendido, Luiza, você precisa me ouvir.
— Descontrole emocional? Eu não tinha leite, a sua filha não ganhava peso, eu estava desesperada.
— Sim, eu sei, desculpa, eu estava confuso com tudo isso acontecendo.
— Eu só mantive a gravidez por sua causa, eu amo a minha filha, mas eu mantive porque você queria, você queria.
— Meu amor, as coisas não aconteceram bem assim…
— Não me chama de meu amor, nem de Luiza, nem de porra nenhuma. 

Ainda sem firmeza nas pernas, Luiza desceu as escadas. Lembrou de pegar a bolsa. Saiu de macacão de malha e seca por dentro.


Do amor e suas marcas é um projeto em andamento da escritora Camila Martins. Acompanhe as redes da autora para seguir o desenrolar desta história.
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