Adriane Figueira é paraense, nascida e criada às margens do Tapajós, mas vive há mais de uma década na capital carioca. Entusiasta da escrita e pesquisadora. Revoada do dragão (Patuá, 2021) é seu primeiro livro.
“Tudo é dor
E toda dor vem do desejo
De não sentirmos dor”
(Renato Russo)
Nasceste em 12 de setembro de 1948, sob signo de virgem e ascendente em libra, ao sul do país. Era domingo, como no dia da tua passagem em 1996, e fazia sol. Caio Fernando Loureiro de Abreu, assim foste batizado, criança de olhos grandes e expressivos. Para mim, apenas Caio F. — o dono do meu olhar, o escritor irremediável de pesquisas, gestos e paixões.
Em 2017, quando conheci Gil Veloso foi como se pudesse te alcançar através do abraço que recebi do teu anjo da guarda. Gil demonstrou carinho e respeito para com o teu legado e tua amizade, ele ainda ama o teu retrato e tuas palavras… eu, também. Nos aproximamos pelo amor e dedicação ao teu trabalho e tem sido uma enorme alegria tê-lo por perto desde então.
Foi em setembro de 2020, quando da comemoração dos 72 anos do teu nascimento, que escrevi parte dessa declaração. Depois de alguns dias recebi uma fotografia de Gil com a legenda: “Amoras frescas para o Caio, basta de morangos mofados.”, nela se via uma louça florida com pequenas amoras recém-colhidas. Sorri!
Retiro agora com cuidado essas minhas palavras apaixonadas do fundo da gaveta de afetos — estes que jamais acumulam pó — para te dizer, mais uma e outra vez, o quanto és gigante. Já são 74 anos da tua iluminação mais brilhante, tua estreia nesse mundo caótico. O ano é 2022 e estamos todos presos e adoecidos — seja pelos sucessivos golpes políticos, seja pela falta de ar ou excesso de violência… o Brasil está colapsando, mas a poesia persiste e te celebro todos os dias de todos os anos desde o nosso primeiro encontro-voo-vertigem, lá em 2008, lembras? O teu dragão me tomou pelos braços e jamais me soltou. Sigo!
Caio em existências desconhecidas e o verbo na queda evoca teu nome.
O sol está em virgem, embora eu não faça ideia do que isso significa, certamente tu saberias e poderias falar sobre o assunto por horas a fio. Na minha cabeça, quer dizer, o ciclo das estações: primavera ou outono, inverno ou verão, dependendo de onde me deito para olhar o céu. Talvez calor, ou um suave vento frio. Talvez folhas no chão, ou flores brotando e em qualquer um dos cenários descritos os dragões sobrevoam e os morangos são colhidos.
Setembro é, quase sempre, um mês bom, de amores que chegam e que vão, do teu nascimento no fim do inverno, inverto o mapa e acaba o verão. O presente tem sido generoso comigo, o que é uma tremenda contradição. O mundo está uma loucura, a vilania e o horror agora são vizinhas de porta, dormem e acordam entre nós, tingem os dias de vermelho e cinza, mas ainda não sucumbimos, resistimos e usamos máscaras para conter o ódio e o vírus.
Em mais um ano de deuses najas e jamantas em cada esquina, me permiti sentir, de novo e outra vez, o abismo, criar universos através das palavras, girar na solidão dos afetos, das ausências, do infinito e te trazer ainda mais para perto. Uma voragem que se anuncia.
Caio em existências desconhecidas e o verbo na queda evoca teu nome. Tropeço, ralo joelhos, rabisco a pele, o papel, os sonhos e às vezes até sorrio. Sei que de onde estás envias a tua luz mais brilhante, grandes e pequenas epifanias. Falo contigo e sempre canto em tua homenagem, ouves?
Te abraço e te beijo, minha Laika que uiva para o infinito!
Foto de Luísa Machado.
Gostou do que leu?
O novo livro de Adriane Figueira está em pré-venda! Você pode adquirir cacos retidos na margem (Cachalote, 2024) na nossa loja virtual ou conferir os pacotes de recompensas na plataforma Benfeitoria.
Mais sobre a obra
“Eu nunca escrevi diários! Isto aqui é um extravasamento, um inventário estilhaçado, sem datas fixas no calendário, sem horários demarcados — guiado por Kairós”. Assim escreve no preâmbulo a autora de cacos retidos na margem, nomeando Kairós como preceptor de sua jornada entre a prosa e a poesia e, nesse simples ato, recusando a medida, a exatidão e a linearidade.
O tempo da palavra de Adriane Figueira é o do extravasamento. Os textos desse livro são desenhos sutis, quase oníricos, de um labirinto de memórias e vertigens que, solitário e vigilante, assoma como possibilidade de um contágio verbal que desoculta as tempestades da nossa experiência.