Jailton Marenco Moreira (São Leopoldo, Rio Grande do Sul, 1960). Curador e cenógrafo. Junto de Elida Tessler, foi fundador e administrador do Torreão, espaço de produção, debate e pesquisa em arte contemporânea, atuante em Porto Alegre de 1993 a 2009. Ilustrações (Editora Aboio, 2023) é seu primeiro livro de poemas.
A MONDRIAN
Amar a parede.
Pelo branco
ver a rede.
Melhor, a luz
da reta que parte
gera outra reta,
negra em cruz.

VELÁZQUEZ
Cada pintura chega como um reencontro com um velho amigo. Pintar essa intimidade é pintar a oferta. Para tanto, confere ao outro ali representado a dignidade real emprestada dos cães, dos anões, do negro, do ferreiro. Uma corte de seres desatentamente envolvidos na única tarefa: ser. O pincel acaricia essas personagens, passa a mão nos seus ombros e confere – “Tudo bem? Como tem passado? Precisam de ajuda?” Toques rápidos tramam vestidos em buquê para as infantas. O monarca amigo baixa a guarda, se deixa invadir e, derrotado, lamenta. O Papa vaidoso exibe mãos de rapina e atesta sua flama. Breda se rende e o vitorioso não espezinha. Os mitos encarnados ficam constrangidos ou logo se enturmam. Outros camaradas, outras charlas. Por trás do quadro, compareço. Que mistério é esse que dispensa enigmas e me adivinha? Está na cifra dos gestos, na atmosfera rarefeita, no quebra-cabeças de uma Aracne brincalhona, na camuflagem da armadilha, ou na familiaridade comentada? Um mistério que recusa o mistério. O que pode ser poesia é negociado por qualquer tantinho de prosa. A grande arte é fazer a arte desaparecer.

SERRA
CANTO I
Chumbo que se derrama em gretas.
Do ângulo fundido, seiva metálica,
uma floresta medra.
Jornada escrita.
Um diário de vagas,
arrebentações e praias.
CANTO II
Aço ou osso
que, ao cortar, berra.
É a pedra do ferro que fica, ou óxido que libera?
Grito que assoma
canto, peso, quinas.
Aboia e tange um esqueleto que se arquiteta.
Sinuca de bico que o drible
avessa.
CANTO SEM CANTO
Jiboia e naja.
Uma serpenteia a sala,
outra apoia a cauda enrijecida e se entesa.
Duas víboras (ou uma)
ameaçam com suas táticas.
CANTAR
Serão infinitivos para tantos sem fins.
Logos, jogos e lugar.
Conjugar.

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Ilustrações é a tentativa de ordenar as experiências vividas por Jailton Moreira frente a determinados artistas e suas obras. São 29 poemas produzidos ao longo das três décadas em que o autor dizia ter abandonado a poesia. Agora, ele assume essa relação, mas coloca um quê a mais: se a imagem costuma ser um complemento ao texto, aqui o processo se inverte e o escrito é que se submete ao visual.
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Ilustrações – Jailton MoreiraR$ 64,90
Arte: Composição com Vermelho, Azul e Amarelo – Piet Mondrian.