Gyzelle Góes é autora de Amante (Urutau, 2019) e de O que fizemos das nossas delicadezas (Folheando, 2023). Cursa o mestrado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade (PUC-RIO). Edita e ilustra para a Editora Folheando.
segunda-feira
aguardo no parapeito das sementes
dos girassóis o rosto da morte
ou a vida
segunda
encontro-a desfalecida
em alguns rostos-vultos avulsos
empapam a minha vista
me enfio no retrovisor
visualizo um rato
ou a performance de um roedor
a atravessar o caule de uma figueira
me trancafio na roleta de prata
finjo vestida de gala o meu funeral
que apesar de singelo me cheira
morta natureza os meus dedos
estão exaustos
poemas movediços ou contradição
o meu silêncio fura o chão.
há quem suponha que estávamos
enterradas, no calo de um dromedário
eu não digo estarmos contrariadas.
o suor nos descia a depilar as costas
e a deformação das palavras.
eu que abro a boca para calar
a sede, derreto o copo de plástico.
o caju me interrompe o soluço
arenosas imagens, mulheres
em uma ampulheta às horas gravadas:
reflito o meu deserto real-imaginário.
sorvete de café
ao símbolo do infinito o
dedo entrelaçado nas costas
de um morcego cego
as fotos e os faróis
nós que engatinhamos
nas escamas de uma pomba
presa na cidade do centro
a praça e uma caderneta
nós que nos sentamos
naquele dia o sol secando
o estrume dos bancos
e tomamos um sorvete de café
pistache por cima das pedras
o que eu mais quero deste poema
é que não derreta sob os meus dedos
Arte: On the desert de Jean-Léon Gérôme.
Comment (1)
Um conjunto de poemas com dicção própria. Com modernidade, olhar sobre o cotidiano, certo niilismo. Arte que sintoniza como nosso tempo e seduz.