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3 poemas de Kaio Phelipe

por Kaio Phelipe
Ilustração: Mori (Forest) de Katayama Bokuyo (1928).

Kaio Phelipe é de Realengo, subúrbio do Rio de Janeiro. Estuda Ciências Políticas, colabora com o Planeta FoDA, a frente LGBTQIAP+ da Mídia Ninja e é autor dos livros Não existe pecado no lugar de onde eu vim (O sexo da palavra, 2022), Para o homem descansando ao meu lado (Editora Nua, 2020) e Como cuidar de um girassol (Editora Patuá, 2019).


Soldados, poetas e deuses brasileiros

Passado o tempo da compreensão
nós que nascemos nesse país
de berço ouvimos falar sobre as guerras
escuto que as bases garantem a democracia
finjo que entendo e suponho
o nascimento de outro lugar
de outras forças armadas
lá nossos meninos não precisarão dizer adeus
pois de lá não se parte
sem as mãos de suas mães
você: um homem acostumado com o peso destrutivo
do que vejo como instrumento sem serventia
acostumado com as dores nos ombros
assumirá de vez o seu encargo
de poeta mais bonito dessa nação
passado o tempo de fumaça e esquadrilha
regressará como fuzileiro inglório
e verá nisso o triunfo: a vitória é sua
você atravessa a porta de nossa casa
eu procuro um lugar mais feliz para o teu regresso
escolho uma vez acreditar em seu GPS falho
que vem te apontando outros finais
acendo um cigarro
meu primeiro depois de certo tempo
não ligo mais para a longevidade
já que estou eu também em conflito
não convém te chamar de benzinho em uma guerra
meu chapa
mas quando você atravessa a porta em sentido contrário
eu acostumado a resolver as pelejas com blasfêmia
aprendo a não resmungar contra Deus.


Rota 66

Os documentos e o celular
deixados em casa
te fazem um homem sem fisionomia
na noite de cavalos a galope
e tédio de cigarras
que não terão o dia de amanhã
para cantar

aqui as desobediências
conheceram as desigualdades
e no geral
todo otimismo é preguiça
de aprofundamentos
enquanto abordagens policiais
ampliam ditaduras

na rua das sombras das árvores
garotos de programa trampam
no muro da estação de trem
por vinte reais
o preço de um livro de Reinaldo Arenas
que encontrei em um sebo
sem pretensão no Largo da Carioca
ou o preço de um livro do Paulo Coelho
numa usina de reciclagem em Padre Miguel

quando estão presentes dois homens
quase tudo
envolve ganhar ou perder.


Carnaval

Pôr para fora o casal de leões
enjaulado em meu peito [em posição de ataque
ceder às fantasias de um rapaz mascarado
na Estação Primeira de Mangueira
dançar ao lado dele um samba com o barulho dos trilhos do trem
e jamais permitir que os sórdidos dominem o desejo:
distribuir os beijos não dados no século XX.


Ilustração: Mori (Forest) de Katayama Bokuyo (1928).

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