Lucas Ferreira Clares (1998)
Meditações
Fica úmido quando chove
O céu e o mar se refletem
As folhas secam e morrem
Como eu e você um dia.
O mundo é feito de coisas
Em estado sólido líquido gasoso
Você é uma dessas coisas
O amor não é desse mundo.
Tudo o que ama vive
Tudo o que vive louva
Tudo o que morre morre
E isso é bom.
Cemitério municipal
As visitas breves
De pessoas sozinhas
Que aproveitam a pausa
Do almoço
Para se sentar
Com seus mortos
E ao final de uma reza
Deitam uma flor
Sobre a lápide
Como um cobertor
Sobre o corpo frio
De alguém que dorme
Um sono leve, sem sonhos
E sem se dar conta
Mas quase por ofensa
Olham para o céu
Reparando as nuvens
Predizendo a chuva
Mas não uma chuva
ㅤ ㅤㅤ que tudo arrasta
Uma chuva surda, lenta
Que cobre as flores tombadas.
Guardar
I
Guardou os olhos nas mãos
Mas mãos não guardam nada
Um telefone anotado
Na palma da mão escorre
E bem depressa se apaga
II
Guardou os olhos nos bolsos
Como se neles guardasse
Perdidos e esquecidos
Toscos bilhetes de amor
Apagados à centrífuga
III
Como dois barcos boiando
À noite num copo d ́água
Enlaçado pra presente
Embrulhado em pálpebras
Deitou os olhos de lado
IV
E quando alguém lhe pediu
Para que emprestasse os olhos
Emprestou como se emprestam
Canetas roupas isqueiros
E quando alguém perguntou
Licença, mas que horas são?
Abriu os olhos bem grande
Pra que se pudesse ver
Que as horas não valem nada
E que o tempo não diz nada
E que o agora é muito pouco
E que o mundo é muito nada.
Arte: Winding the clock, de Joaquín Sorolla.