Matheus Hotz é poeta, autor de O Dia do Búfalo (Edições Macondo, 2018), seu segundo livro está em gestação e será lançado ainda em 2022. Escreve, pinta, estuda oráculos e nunca saiu do Gold IV no League of Legends.
para todos os amores do mundo
um dragão
suas garras buscando moedas
nos poços do destino
a fenda abre:
para todos os amores do mundo
uma loucura
amar é rachar
em dois
e para todos os dragões do mundo
nenhuma cura
eu e você descobrimos isso tarde demais
e a verdade que há nas palavras é muito
densa para aqueles
que buscam no outro
um remédio
a verdade que há nas palavras
é muito frágil para aqueles
que buscam no outro
um veneno
amar não é rachar em dois
amar é somente perceber
a rachadura
o sangue de górgona que bebeu Perseu
criamos cobras e pisamos
em suas cabeças porque
criamos cobras e elas nos picam
e pisamos em suas cabeças
criamos cobras em cativeiro
e seu corpo é rabo e de pé
e sua cabeça na altura de nossos olhos
e as mãos apertam suas cabeças
enquanto seu sangue e veneno não significam nada
Anelise Freitas
tenho vergonha da mancha
entre meu indicador
e meu dedo médio
a mancha dos dedos que afundam
no sexo
da serpente que me pariu
tenho vergonha do sexo
e os venenos que bebo só não me matam
porque sei
que sou artesão
da minha própria boca inchada
da glande errante que jorrava
palavras cortaram a cabeça de medusa
palavras cortaram multilaram seu sexo
os homens, seus cavalos sobre o mar
invadem seu reino
não deixam pedra sobre pedra
eu estava lá
tenho vergonha da mandíbula deslocada
longa alta que me engole
do beijo ofídico que comprei noturno
e que na noite seguinte
decepei solar
os homens, seus cavalos sobre
o corpo da górgona pisoteiam
o homem é bom é uma mitologia de crimes
contra a tirania do desejo
o homem é bom seus cavalos
estão a pisotear medusa
carrego comigo o escudo de atena
eu estava lá
por debaixo do bastião erguido
no sangue verde da medusa
os homens brindam ao veneno
brindam a vitória
do homem bom sobre o desejo
por debaixo dos olhos secos
do peito exposto
das espadas tão polidas
a serpente engole a si mesma
troca de pele
canta uma canção tão bonita
e com seus olhos abertos
reflete a sua imagem
perseu covarde
eu estava lá
câncer
caranguejo que só sabe andar para
trás deixar a barriga exposta é o seu
pavor e o seu desejo
quer que te devorem
e que te salvem
de si mesmo
Foto de Leopoldo Cavalcante.