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4 poemas de Ana Botner

por Ana Botner
Ilustração: No. 7, Table Rock, Niagara de Edward Ruggles (1817-1867). Publicado por L. Prang & Co., em Boston (1867).

Ana Botner nasceu no Rio de Janeiro em 1999. É poeta e graduanda de ciência política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Seu primeiro livro Andar Barato foi lançado pela Urutau em 2021.


PIRAR É ARDER

acende uma vela 
para ficar sozinho, só um pouco,
enquanto a chama vai embora
e à distância vemos um leopardo 
manco, louco
assoprar cinzas de um gudang 

porque a loucura não é uma festa 
é uma cerimônia 

é uma lágrima para um narciso

o grande felino imenso 
à beira da extinção 

você já está cansado
e dois cães te lambem a face

mas mesmo assim ela vem 
e te põe no banho
como um bebezinho


POEMA SOBRE O MEU AMOR

Conversamos sobre a violência
e sua ética delicada

Os seus olhos de gema escura
Firmes e frágeis
Escondem uma única lágrima 

Enquanto discursa, as mãos abanando, 
sobre a dádiva, o primitivismo selvagem, 
Tarkovsky e as amizades russas

E a nossa cama, o perímetro sagrado,
Onde não terminamos os livros e as cinzas caem 

E que beleza as cinzas
O atlântico anoitecendo devagar 
As formas e a dialética
O desatino


ÊXTASE (ítalo)

há dois abismos: o primeiro
tão fundo tão bonito
(i can hear it calling me)
 
deita comigo, amor
eu surjo em você com fome
você: a única prova viva
da metafísica, mas é mais bonito
que isso
 
há quatro anos você disse
que eu tinha o corpo marcado
e vem costurando
lentamente
em brasa
 
a noite em chamas – a noite é sempre
quebrada
e a nossa cama
estável, imóvel,
não morre
e tudo respira, tudo é vivo
como um abismo inverso: um êxtase
que é um sussurro no ouvido e você
cheirando meu pescoço


26 DE DEZEMBRO, POEMA DE ANIVERSÁRIO

Me prometi mas aqui estou
As bibliotecas me rodeando e 
babel caindo.
Estou com pelos nas pernas, nas axilas 
Com as nossas línguas entrelaçadas e um marxismo que não vaza do escritório 
Não sinto ódio como antes,
dois anos que não bebo, a sobriedade, o bem estar e etc 
“Nasci com complexo de crucificação”, disse Henry Miller, que nasceu um dia atrasado,
como eu
E você, bem no início, me chamava de sísifo
a grande pedra nas costas,
a grande montanha e a política, que nunca me pareceu tão próxima
 – ver você de costas, aí, pensando: “ela está completa?” E estou
Quando jogamos coisas pela janela e vemos a minha irmã nascer, também em dezembro,
grande e gorda
Enquanto o fogo ainda não é colocado nem sequer visto
Mas também eu e você cantaremos o universal, porque faço carinho na palma da sua mão e
você geme bonito pra mim, amor
E aqui estou
Aqui estou sempre


Ilustração: No. 7, Table Rock, Niagara de Edward Ruggles (1817-1867). Publicado por L. Prang & Co., em Boston (1867).

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