Cleber Luz é professor de Literatura e autor de Tardanças (Birrumba, 2021). Doutorando em Literatura pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Literatura pela Universidade Estadual de Maringá.
still alive
aprende:
a janela confere ao seu repouso
uma moldura.
não quero assim dizer da morte
ou da dicção das lápides
mas antes poder ver a
mulher que dorme
assistir talvez a transformação de uma fotografia velha
em quadro vivo
buscar com fugaz intimidade
ver o maior dos segredos
neste segredo mesmo
o procurado
ver a arte como vi
ao abrir a janela e observar
que observada é muda
ela abre e fecha os braços
sem movimento:
O que sonha? pergunto.
somar ruína à ruína
conferir apenas
o gesto sem adorno
às coisas rudes
com sua imprevista doçura
somar ruína à ruína
fazer como o peixe
sorrir breves harmonias
emprestando ao silêncio
sutilezas sem conceitos
exercícios sobre o branco
para a Ana Estaregui
queria começar sempre
do branco
sentir um cheiro ou
tomar uma xícara pequena de chá
de jasmim. Não gosto muito
de pensar no coração do boi
a não ser pelo fato de ele poder ser, talvez,
um símbolo hiperbólico de um amor com força
ou, então, aquilo que tem rudeza vida animalidade numa dimensão
dos afetos. E
tento, ainda, construir uma coreografia possível em que, se quisessem,
os cavalos pudessem dançar sem um ritmo
e buscar assim transpor numas palavras
poucas
o que não consigo tornar
tão intenso, mas breve
contorno branco
você lê eu leio
não falamos e acolhemos em nós
este pequeno exercício de mistério
arte poética iii
para a Ana Paula Fadoni
coser o vestido
na carnadura do dedo sorver
com a calma
que se demanda
a digital desta língua
que impossibilitada de memória
desenha algumas
tentativas mínimas
de uma árdua lida com cisão
revelação
este filho de pardal
que agora grita por
fome
nesta branca hora
fere de morte o
silêncio mesmo
sem saber
sem ter lido nunca
que a morte é reveladora
a despeito das horas
da vida aos
vivos
Arte: Lord Northwick’s Picture Gallery at Thirlestaine House, de Robert Huskisson.