Humberto Pio nasceu no ano de 1972 em Mantena, foi criado em Mococa e em 1992 migrou para São Paulo. É poeta, arquiteto e professor. Autor da epopeia infantojuvenil Leocádia (Oficina Tipográfica Papel do Mato, no prelo) e dos livros OFIC I ÓCIO (Editora Primata, 2023), Talagarça (Editora Reformatório, 2021) e Coágulo (Editora Reformatório, 2019) – livro vencedor do Prêmio Maraã de Poesia 2018. Sua obra integra diversas coletâneas e revistas literárias.
EDUCANDÁRIO
ㅤㅤㅤㅤ(recém–chegado à capital
trajeto faminto
cursinho – ponte – casa
sonho destino
arroz – estrogonofe – batata
ㅤㅤㅤㅤ(comida que a mãe congela pro mês
freio súbito
passageiro – cobrador – motorista
ㅤㅤㅤㅤ– então é assim que se vai pro céu?
vista janela
grama – pedra – grama
ㅤㅤㅤㅤ) nem não soubesse cemitério judeu
ㅤㅤㅤㅤ) nem vida houvesse pós ponto habitual
ressuscita enfim
sem um puto pra passagem de volta
MEIO-FIO
8 de copas
rua dos pinheiros
almoço de domingo: vatapá e arroz de hauçá
aluno de química retira uma a uma as escamas dos anéis de cebola
ás de paus
parque ibirapuera
quarta–feira: mão, esfera, cogumelo, explosão
crítico de arte propõe artista cubano orixá a cavalo do modernismo
9 de espadas
alfonso bovero
quinta–feira chuvosa: sorte no balcão do sebo
é natural que um real pague o império da sabatina sexual da criança
curingão
teodoro sampaio
dia de semana à noite: caminho do blen blen
um gilete pendurado no pescoço da recepcionista do baile catingoso
ㅤㅤㅤㅤ
outono juntando baralho na cidade no buraco nenhuma carta de ouros
POLEGAR
(diurnas)
velho dirige fusca azul marinho desbotado até onde aluno precisar
estudante de química vende ovos caipiras no campus universitário
esportista do furgão reclama ao telefone ausência dela na garagem
docente perneta propõe resgatar voz do passado com história oral
bancária em temerosa direção promove uma indulgente autopiada
funcionária dileta pedida em casamento por motorista de chevette
professor estrangeiro afirma já ter desistido da reforma curricular
(noturna)
no sábado rumo ao encontro de estudantes
é confundido com michê por boy de peruca
franja esvoaçante que freia brusco o escort
conversível no costumado ponto de carona
ACCESS TO LINE FIVE LILAC
com o devido cuidado entre o vão
e a plataforma baldeou na estação às cinco saiu
costurando o mundo neste abscesso do inferno
azul para a linha lilás carregando penitente a
santa cruz cotidiana
queria ver o pôr do sol lá na vila das belezas
IMPERMEÁVEL
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para–raios/saga
ㅤㅤㅤ–cidade/
guarda–chuva/capa
ㅤㅤㅤ–city/
palavra–ônibus/fuga
ㅤㅤㅤ–cité/
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Você acabou de ler uma seleta de Deriva, uma das partes do livro Talagarça (Editora Reformatório, 2021) de Humberto Pio. Gostou do que leu? Adquira-o clicando aqui!
Mais sobre a obra
Talagarça é um tecido encorpado, de fios ralos e espaçados. Entretela, material de reforço. Língua em que se bordar. Aquilo que consolida a costura dos cadernos em livro. Livro que busca investigar o tecido do trabalho poético a partir das relações entre a escrita e a cidade, mediadas pelo corpo, no tempo. Quatro cadernos de poesia: Córtex, Deriva, Urdido e Fáscia. Deslocamentos à procura do lugar da poesia: desvãos reminiscentes, desvios citadinos, diversões laborais, dilacerações carnais.
Fotografia: Amanhecer na serra – Arthur Wischral (Acervo Instituto Moreira Salles).