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5 poemas de Mateus Albino

por Mateus Albino
Arte: Apples on a tabletop, de William Joseph McCloskey.

Mateus Albino mora em São Paulo, é formado em Letras pela USP, e escreve, faz fotos, vídeos e filmes.


couve

o cabelo dos anjos talvez seja assim,
como essa Couve cortada
e de um verde original,
cor materna do que vive

na paz eterna do sábado, se distraem
beliscando os cachinhos amargos dos outros
e, quando passa a vasta nuvem do tédio,
escondidos do Pai,
escorregam pra beira do paraíso

cortam as mechas frescas,
botam no fogo travesso
e comem fingindo fome,
nos olhando gulosos,
mastigando a vida daqui


um rascunho de chuva

atrás da nuvem de chumbo
a imensa criança rabisca o chuvisco
num lápis eternamente apontado,
contorna a garoa
e batiza os pingos
gargalhando retumbante, ensaiando a tempestade


é preciso perdoar

é preciso perdoar,
como o mar à pedra,
a resistência
ao movimento da vida,
impassível
diante da espuma que esparrama e aceita
a rigidez impossível,

é preciso lembrar
e agradecer que um nada
ignorado da pedra
se deixa no mar,

é preciso esperar,

e é preciso seguir
mesmo sem pedra a perdoar,
ainda quebrar a onda na areia,
ínfima pedra compacta
no mar nunca desfeita


a notícia

Chega, enfim,
a notícia do apocalipse.
E a bolsa cai violentamente,
se espatifando no asfalto,
palco cinza dos últimos atos.

As tevês falam como nunca,
gastando de uma vez as palavras que pretendiam usar,
e todas as salas escutam
aflitas com a iminente queda de energia.

Os mercados largados e quase vazios,
nas etiquetas, números que não existem mais,
não há contornos definidos
exceto o um e o zero.

Uma criança vasculha a prateleira,
come impressionada o último kinder ovo
pela primeira vez
e monta o brinquedo sem tempo de brincar,
o resto, grudado na embalagem, é recolhido por uma formiga
terminando indiferentemente bem sua função aqui.


maçãs

no meio da mansa tarde do parque,
calmamente, a moça come a maçã
pensando perdida
no sabor proibido do paraíso:
traiçoeiro farelo
ou eterna doçura do vício?

entediada, joga fora as sementes,
essas frutas de mercado, aos montes,
botam fim no pecado,
e no prazer de pecar.


Arte: Apples on a tabletop, de William Joseph McCloskey.

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