Leonardo Simões nasceu em Patrocínio, Minas Gerais, mora em São Paulo desde 2010. Cursou Jornalismo e trabalha com redação publicitária. É mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A fonte
No poema em forma de notícia,
Gilbués é um deserto encurralado pela Bahia e o Maranhão,
ou
uma “gigantesca folha amassada de papel-lixa cor de tijolo”.
No poema em forma de notícia,
o verso seguinte é a manchete.
“Desertificação faz área do Piauí parecer Marte e desafia agricultores”.
O repórter,
um estrangeiro,
traduz
os fatos,
os ratos,
e os atos destes exploradores marcianos.
Daí,
esse poema entalado no caderno Cotidiano,
esgoela não ser preciso foguete para descer em Gilbués,
o lugar cujas
fendas vermelhas remetem a Marte, o planeta das
Voçorocas.
No deserto em forma de poema
Voçorocas são
linhas finas
ou
rugas?
Nossa terra envelhece.
A pele fraca,
brasileira é vil.
Mas serviu de nascente de diamantes e cana.
Agora
a soja engorda o olho do boi.
Neste cara amarga,
desordeira e gentil,
o deserto de Gilbués anoiteceu silencioso:
a areia marca o tempo e mancha as barras das saias:
só gira a ampulheta quem é dono da areia.
Em forma de perícia,
os p o e t a s
ventam teorias, balançam as crianças nos anos que v i r ão
enquanto os cânions devoram as fazendas e o mato morre antes do gado pastar.
os espec i a l i s t a s
batizaram a terra sem palmeiras de
zona de dese r t i f i c a ç ão.
Quem entende a nossa hora
nos relógios de sol,
só sabe escrever notícia?
Notícia ruim anda devagar.
Caso chovesse, corria.
só gira a ampulheta quem é dono da areia.
Não alimento esperança.
só gira a ampulheta quem é dono da areia.
“No meu tempo” é uma lembrança triste, entende repórter?
só gira a ampulheta quem é dono da areia.
E no dia seguinte,
o poema valerá menos que o jornal.
Se não embrulhar peixe, tampouco vai noticiar o pão.
Eleição
Respirar todo o ar do mundo até o pulmão estourar como
uma bexiga de festa.
E as balas e doces
vão chover sobre as cabeças das crianças,
até elas se molharem com aquela infância que vai e volta,
vai e
volta
numa corrente de oxigênio,
alívio e memória.
Isso é o que chamam
de tomar fôlego.
Poema originalmente publicado no livro Folha de Rosto (Mondru, 2023)
Desenho de Ariyoshi Kondo.