Maíra Dal’Maz é paraense, mas vive em Natal. É doutoranda em literatura comparada pela UFRN e tem dois livros de poemas publicados: Agouro (2021, Escaleras) e Ex-voto (2022, Urutau).
I
As pernas abertas da Imperatriz
recebem as boas novas
o crescimento da vagem preferida
o som das estrelas morrendo.
Entre os cabelos dela
– presa ao broche real –
uma caneta qualquer
pronta para substituir o cetro
e todos os símbolos indivisíveis.
O índigo profundo é a nova cor.
Seus fios não nascem da cabeça
mas das ordens sísmicas do fogo.
As pernas abertas da Imperatriz
apoiam, em uma de suas fortes coxas,
o escudo. Gravado nele – a nanquim –
a ave protetora de asas abertas
aplanada e caindo ao seu colo.
Suas mãos descansam dedos longos
dêixis de ordem intempestiva
atrofiados de tocar-se
entre vincos e farpas sem alarme.
Toda a taquara e o couro de anta
vêm de seu ventre
que, por detrás daquele escudo,
ela o ampara.
II
A Imperatriz com as pernas abertas
corta os cabelos
e com um gesto cria asas de cetim
eis o inseto que voa na tempestade
capaz de ser engolido por qualquer
boca.
O impulso de pousar é sacerdotal:
assiste muito viva a transformação
da mariposa morta na parede
em tinta índigo
e o resto dos seus cabelos
na cor da sua vênus
inscreve-se e encerra o ciclo
da vida do imperador.
III
O sorriso da Imperatriz com as pernas abertas
é mais cínico que a cabeça comprida
de um fungo que lhe conta
a minha história.
Isso quer dizer que ela resolveu viver
como um bicho querido
um cão
que abre as pernas
e lambe primeiro a comida
depois os próprios dedos
depois as suas unhas
depois os seus bigodes
depois o todo terreno
depois suas canetas
depois o cu de outros cães
depois o próprio cu
depois a morte
já engolida
pela mão do homem.
Fotografia: Palácio Imperial – Revert Henrique Klumb (Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles).