André Foltran nasceu em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, em 1996. É poeta e tradutor, bacharel em Letras/Tradução pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Foi premiado em dezenas de certames, tendo poemas publicados em diversas antologias, revistas e suplementos literários. Em 2023 lançou sua primeira plaquete, Manual da motosserra, pela editora FICTICIA.
Você amaria conhecer a Cássia.
Pena que ela já partiu para outra viagem
inacreditável. Cássia é volátil. Está sempre
uma champanhe à frente.
Tudo o que temos são aproximações.
As coordenadas de seu último cartão-postal.
Porém que chances de alcançá-la agora
em Capri? Já teria embarcado minutos antes
no iate de um milionário turco-cipriota
deixando pra trás só um lenço de seda
e um rastro de Shalimar.
Tenho uma foto com Cássia,
sei que a conservo em algum lugar.
Na foto, ao lado de Cássia,
sei que nunca fui triste.
Às três da manhã que podemos fazer senão
nos apegar a esses materiais de Cássia?
Este par de sapato que tem sustentado a casa.
A noite em que seguramos seu cabelo
pra que ela não vomitasse sobre os cachos
e tivemos certeza que jamais seríamos
tão mulheres quanto Cássia.
A gargalhada que arremessou sobre nós
antes de sair daquele baile de máscaras
em 1985. A cócega de quando sussurrou
no nosso ouvido: o seu amor, Alfred,
Robert ou Aleksander, o seu amor ainda vai
me matar. A silhueta do seu Cristóbal
Balenciaga impressa na cama para sempre.
Este arranhão no ombro esquerdo
que às vezes coça e sangra. A frase
que riscou à caneta na nossa edição esgotada
de Oblómov, diminuindo substancialmente
o seu valor de mercado, e que ainda não pudemos
decodificar. E quando damos por nós o sol
já achou formas de invadir o quarto
nos impelindo novamente para a vida.
O que estará fazendo Cássia
agora? nos perguntamos
para adiar a pergunta do que faremos,
de para onde iremos.
Onde quer que se queira ir, Cássia já foi antes,
e nos trouxe imãs de geladeira,
o que nos liberta de um peso assustador.
Já não precisamos ser alguém, estar em algum lugar
e não apenas deitados em nossas camas
sabe-se lá há quantos dias e ainda estamos
cansados, é impressionante, e nenhum sonho
de casar ou ir para a faculdade,
nenhum projeto em mente que não seja
o de se deitar por mais algumas horas
vendo esses vídeos de cuecas semoventes
e gatinhos, atrasando a terrível necessidade
de ter de trabalhar, a força apenas
de se masturbar mais uma vez diante de imagens
fantasmagóricas, nada disso nos atinge porque a temos
lá por nós vivendo coisas, nos representando
em todos os simpósios, despertando nua
sobre lençóis brancos, hidratada e pálida,
pronta para novas aventuras, preparada
para o amor e o eclipse e abrir empresas
e fechá-las se for necessário, bela
e jovem Cássia.
Desenho de Ariyoshi Kondo.