Matheus dos Anjos é jornalista, fotógrafo, diretor e poeta. Criou e apresenta o podcast “dor de facão”. Produziu clipes musicais como “Encaixa” (2022) do cantor baiano Jô. Também idealizou e dirigiu a Websérie documental “QUEERBRADA” (2022), que conta a história de cinco artistas LGBTQIA+ da cidade de Salvador (BA). Contribui mensalmente com poemas para o portal Fazia Poesia.
aquiles decide fazer terapia
às vésperas da vida
algo se rompe e transborda
é a causa em seu estado
mais puro
então, como consequência
ser — de vez em quando
a borda de uma letra
por ora não inventada
aquilo
que se é
mesmo não sendo
é — ainda — algo ou
alguém para se conhecer
sendo mesmo
a possibilidade do sim:
quem é essa no espelho
que faz a bainha das calças
agulhas a espetar calcanhares?
aquilo
que se é
entre o corte
e a saída
aquilo
que se é
entre a boca
e a comida
aquilo
que se é
mesmo sem cor
forma
ideias concretas sobre
as dúvidas
aquiles
que se é
e se sabe maciço
dos joelhos pra cima:
conhecer-te a ti mesmo
do joelho pra baixo
no teste se ainda dá pé
e se não deu, deus
dará — apostas — virá
que eu vi
brincar com faíscas&
fazer e desfazer bainhas
assim que é crescer
com as calças vizinhas
ou como o brincar
quando o dedo do menino
vai direto na tomada
sinfonia no. 7 em D Maior: percussão em perspectiva
mov. I
o som ao redor
de dentro
o canto esquerdo superior
a verdadeira percussão
de uma trajetória
também instrumento de guerra
marcando o compasso conforme
o tanto de sangue ainda
com pecado diluído
a necrose ainda ativa
uma formação em carne viva
todos os naipes em consonância
com um ritmo transitório
as cordas
da garganta
a indignação de violino
em nunca ser diminutivo
mov. II
coração retumbando
o ciclo fechado — destino de tambor
é na memória da palma
que reside o que arde
quando se bate
tambor
chorando o desejo pulsante:
eu quero ser
tambor
só tambor
receber o impacto de bumbo
como quem monta na sela de cavalo:
deixar cavalgar nas notas
aquele que se debruça sobre o tambor
a tentar doma-las —
só tambor
a tentar domar
coração corpo
só tambor
nunca falhar
bombear enquanto durar seu propósito
só tambor
&batimentos cardíacos
mov. III
escuta, meu bem
só se afina esse instrumento
vivo no peito
se posto em uso
mov. IV
é corpo isso que preenche o ar
bem como os ruídos
e aquele espaço entre
é, pois, no silêncio
o bocejo sinfônico
sem os respiros
não haveria música
não haveria corpo
Fotografia: Estrada de Ferro do Corcovado, Viaduto do Silvestre, Km 1 (aproximadamente) – Marc Ferrez (Acervo Instituto Moreira Salles).