Érika Santos (1995) é poeta. Nasceu e vive em Maceió, Alagoas. Pesquisa na área de ciências da linguagem em análise do discurso. Integra o grupo de pesquisa Discurso e Ontologia – GEDON. Seu primeiro livro “procurar o mar é exercício noturno” será lançado esse ano (2022) pela editora Penalux.
se eu não tentasse extrair da sua pele
às onze da manhã penso que
preciso ter a paciência de uma mulher velha
de uma mulher cega por seus gatos
penso também
sou um fragmento do corpo de minha mãe
minha mãe que era tão pequena
antes de formar esse pedaço que sou eu
antes do fragmento penso
era fácil educar as pedras
calcular a palavra o silêncio
ter a paciência de uma mulher velha
é saber contar milimetricamente
as vezes em que se sonha com um filho morto
(amenizar a dor controlando a respiração)
às onze da manhã
antes do fragmento
eu quis extrair da sua pele o chiclete
que você joga no chão
(como quem ousa a razão de um pássaro)
e eu apanho só pra saber o gosto
que tem sua boca,
às onze da manhã eu quero ter
a paciência de uma mulher velha
quero educar as pedras
quero contar as vezes em que
se sonha com um filho morto
caminhar sozinha pelo parque Ibirapuera
“Suportar a vaziez.
Sem fanfarras, o vazio não carece delas.”
Wally Salomão
como se não bastasse
a fotossíntese do céu
a palavra a refazer seus pés
(que não cismam as linhas da calçada)
o sol a cerrar seus olhos
o sonho a rotação da cidade
os ipês o pátio vazio de gente
que veste azul
que veste a sombra da tarde
como se nenhum afeto valesse
como se a mentira tomasse conta
das folhas secas
num solo seco pela manhã
como se não bastasse
suas mãos ainda vivas
suas mãos a dançar com o vento
o céu a fingir-se íntimo
(rosáceo)
os pés convite atento
a suportar a vaziez
feito caminhar sozinha
pelo parque Ibirapuera
Foto de Leopoldo Cavalcante.