Eber Freitas é jornalista e escritor sem ISBNs em seu nome.
o general
glaucão, tentei aprender o que podia
de submissão total, podolatria,
ao ler teus dissonetos de memórias
sentimentais. li todas as histórias.
mas capachismo vence a putaria;
até ministro foge da porfia
lambendo sola e pé com acessórias
escusas, despojando-se de glórias.
o orgulho atira ao chão com farda e tudo,
medalhas e comendas… e, contudo,
recebe só um tapa de consolo
após fazer gozar com tanto dolo.
difícil, glauco, é saber que o rudo
serviçalismo de tesão é mudo;
o general lambeu gala em adolo
e a língua só tocava num tijolo.
puna-se a vítima
i
sua excelência, é um caso dado:
nosso cliente nada fez de errado!
a querelante falha em apontar
qualquer conduta menor que exemplar.
a súcubo licenciosa, a par
dos fatos, mente e inventa sem crispar.
observe bem do meu cliente o estado;
estuprador? um homem acuado!
agora exponha-se no julgamento
o jeito como veste-se a mulher,
que se comporta como uma qualquer.
insinuante, com enxerimento
de marafona experiente, quer
posar de santa neste lé com cré.
ii
proponho, enquanto promotor — portanto
acusador — uma abordagem branda:
livrar o réu conforme o rito manda.
explicarei. contenham vosso espanto.
tem porra e sangue em tudo que é canto,
o réu mentiu, o que havia na demanda
colocaria fim à traquitanda.
sigamos noutra direção, no entanto.
existe a mínima chance, excelência
de que o rapaz, um homem como nós,
violentou de forma inadvertida.
compreensível; logo, leniência
devemos ter. melhor assim que, após
alegações, ter pena assentida.
iii
se as partes pugnam em favor do réu,
este juízo nada tem a opor
a vítima, no extático torpor,
abandonou sua vergonha ao léu.
assim julgado, finda-se o escarcéu
na dúvida, não vou tirar nem pôr.
citando esta ex-donzela um estupor,
concedo-lhe casar de branco e véu.
publique-se a sentença, fim de papo.
que fique o ensinamento para a moça:
evite escarranchar essas pernocas.
resguarde a concha para um gajo guapo,
endinheirado, de paixão insossa.
alguém daqui, talvez, a pôr-te as chocas.
Foto de Luísa Machado.