Douglas Laurindo. Mora em Manaus. Graduado em Letras – Língua e Literatura Portuguesa (UFAM). Além de atuar como professor, é pesquisador no âmbito literário. Escreve contos e poemas.
G
o quarto é sismo:
entre mim e gael,
[tudo se põe,
nada se desfaz.
ele, mão dentro da minha cueca,
silencia tempestade que quebra o copo,
copula entre os cacos do corpo,
cola com o suor a nossa boca aflita.
o quarto é cemitério:
os músculos prendem meus pulsos
e minha pequena ceifadora geme.
gael faz de mim eurídice invertida:
em vez de sumir, depois da vã promessa,
reencarno sempre, puído, frêmito.
é a língua dele na minha nádega
que me impulsiona a saquear caronte.
subo à terra das almas lânguidas,
enfrento o pão que dante amassou
para que eu me repita, me degluta,
me desate e ele me ame.
gael é a minha sede, em cujo peso,
nas costas do animal de carga que grita,
se contorce, faz acrobacia e dedilha,
acredita-se ser a sorte de um andarilho.
gael é seis e eu nove.
anticlássico e nefelibata,
aceito essa caixa de duas bocas
e a religião que ela assegura.
animalia
gael come a mim:
fome ambiciosa
de antíloque duro,
ávido por júbilo.
os pulos são teias.
as gaias, fissuras.
juntas insinuam,
conectam tais ânsias.
gael masca a mim:
a língua ora áspera
invade os buracos
do nariz, as ancas
ou qualquer lascívia
tão aberta, ilícita.
gael depois disso
sempre sabe onde
pousar o seu mastro:
só nestes remansos
em que jazem olhos
lânguidos, salubres.
engulo-o no íntimo,
recolho-me ao ócio
garanto retorno
de gael antíloque.
Foto de Luísa Machado.