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Explicação das árvores e outros animais, poemas de Daniel Faria

por Daniel Faria
daniel faria

Daniel FariaExplicação das árvores e outros animais

A estrela nasce da raiz carbonizada
Do caule queimado
Da roda dos bois afogueados
Quando em chamas com cornos espigados
Passam entre medas que alumiam o caminho para casa.
O fogo é provisão e possessão
O degrau na vida – ao meio –
A bússola que arde. E há constelações na mão
Que leva o gado.


Largo é o aberto abandonado
E o vazio é pata que sustenta
De leveza o ramo. O pássaro amanhece
E o seu bico não fere o seu canto.


Se fosses pássaro baterias as asas para destruir a armadilha
Se fosses insecto deixarias círculos apenas ao redor da luz
Se fosses abelha farias zumbir a revolta
Mas és voo pela sombra
Se fosses formiga carregarias a ordem, armazenarias a fadiga
Se fosses flor polinizarias a terra
Serias coroa incorruptível
Se fosses flor através das estações


Tenho aflição por tudo o que morre
Como tenho pavor por cada noite que cai.
Como fui esquecer o caminho para fora?

Infeliz que esqueci as sendas da caça.
Comerei erva? Sol? Comerei estepes e estepes
A arder?

Vou-me pôr à mesa e esperar.

Tenho aflição por toda a ausência não anunciada
Acendi a luz por toda a casa e electrifiquei a voz
Agora posso ampliar o clarão dos gritos.

Posso abrir trilhos no fogo: sei o ritmo da mão exacta
Que fez o povo atravessar enxuto o interior da água.

Vou-me sentar à mesa. Vou deixar arrefecer a comida.
Fazer de conta que estou a esperar.


Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra


AQUILES E PÁTROCLO

Nem sucessivas e sucessivas migrações de aves
Perfarão a distância que agora nos separa
Mas esta nau não me levará a casa
E seguir-te não será morrer


O meu projeto de morrer é o meu ofício
Esperar é um modo de chegares
Um modo de te amar dentro do tempo


EXPLICAÇÃO DO POETA

Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cavou muito silêncio

Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço


No meio da tempestade corrigiu o saibro do caminho
Adivinhou o tempo em que as asas das libélulas se enxugavam

Regressou como quem repetiu o nosso nome cada dia
Regressou como quem repetiu o caminho cada dia

Alimentou-nos como o sangue que circula em cada veia
E repetiu o regresso em cada dia


O homem lança a rede e não divide a água
O pobre estende a mão e não divide o reino

É tempo de colheitas e não tenho uma seara
Nem um pequeno rebento de oliveira


Daniel Faria foi um escritor português nascido em 1971 e falecido em 1999. Fazendo as contas, morreu jovem, aos 28 anos. Desde o ano retrasado, é o poeta mais importante para minha formação sentimental.

Ambos fazemos parte de um grupo seleto de sofredores; aqueles nos quais, parafraseando Miguel de Unamuno, doem-lhes Deus. Dessa dor, vem o retorno de algo metafísico, a arte dos indispostos com a vida.

Pelo tamanho dos versos, me dou a liberdade de trazer dez poemas de Daniel. E por flertarem com o silêncio e com o mistério, não vou escrever mais nada.

Leopoldo Cavalcante

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