Leonardo Bachiega, é arquiteto, urbanista e escritor, nascido em São Paulo, hoje reside na cidade de Carapicuíba. É autor de alguns livros de poesia e um de dramaturgia e possui poemas publicados em diversas revistas literárias do Brasil e Portugal e também possui poemas em diversas antologias, entre elas a antologia da off flip. Essa leva está no livro “A cidade é o céu”, 2022.
1.
ninguém sofrerá tanto quanto uma mãe
a separar-se de sua terra
tarde ela busca alfazemas
que ora se desfaz
para desmanchar-se em vida como um dente-de-leão num sopro
2.
deito esperando debruçar-me
como uma criança desajeitada
dormindo numa nuvem improvisada
3.
remendando a túnica
meia-lua
às folhas de bananeira
no que a sua sombra
engolia o deserto
fazia um novo filho
na alba
uma mulher
4.
a palavra ajoelha-se no leito
como fora um amigo
como se um rio passasse no pensamento
5.
nos perguntamos sempre próximos
dos nossos povos o que vocês são
mesmo que nossos povos
não sejam mais que pedra
6.
está o homem parado
pelo agreste que o atravessa
nessa carne sol
nos dias quando celebra a solidão igual a uma amante
as voltas das folhagens são assim as mais nuas
7.
a mulher procurou uma clareira para beber
como se definhasse palavra por palavra
largou o corpo na primeira esquina
deitou-se como numa pintura de schiele
entendia o espaço
como o carinho de um ser amado
8.
vivi em outro tempo longe
acordava com a planura da mulher
e cantigas de uma ave
era outro o que em mim curvava
como a madrugada do itálico de uma letra
hoje ajudo o silêncio
para me desfazer lentamente
9.
o que é a cólera
perguntou certa vez o monge
são as campas oferecidas
que segredam às mães…
separação
10.
um pouco triste
levo meu pensamento
num caminho cercado
por relíquias amorosas
que monge fez da terra crucifixo
para a alma
criar um agricultor
prestes a plantar orações
Foto de Anna Carolina Rizzon.