• 0

    Frete grátis a partir de R$ 110

ruas

por Ian Uviedo
Ruas Ian Uviedo

Ian Uviedo é escritor, editor e livreiro. Já publicou uma dezena de zines, que variam entre poemas, contos, experimentalismos gráficos e fotografias, um livro, e tem textos em coletâneas por aí. Pesquisa performance poética, já tendo subido em alguns palcos pelo país. Recentemente, passou a fazer experimentos audiovisuais, convidando poetas para criar imagens em cima de suas leituras. Vive em São Paulo.


trava de segurança

pensando bem
talvez eu não devesse ter parado de fumar
nem abdicado das caminhadas no centro velho
hoje fica claro
se eu não tivesse apagado as fotos da canon
se eu tivesse resistido a jogar os papéis no lixo
tudo seria diferente
não haveria uma trilha de vento
uma xícara que esfria
o receio de voltar pra casa
e encontrar-me no caminho
contando quantos cigarros
ainda restam no maço
ou de esbarrar comigo
espiando a reforma do anhangabaú
desde o viaduto do chá
quem sabe
fotografando pássaros e janelas
num dia atravessado pelo sol
assistir a mim mesmo
de pernas cruzadas e um caderno
feito de anotações
não haveria essa trava de segurança
que me mantém a salvo
daquilo que alguns chamam memória.


ruas

criança
eu não entendia
o tamanho das ruas
andávamos andávamos
curvas praças esquinas
e o mesmo nome aparecia
em branco numa placa azul
tanto tempo depois
meu pai explicava
que a rua atravessava
nosso caminho
de forma transversal
mas eu não entendia
eu achava que as ruas
me seguiam
não sei exatamente
em que ponto parei
de acreditar nisso
e passei eu mesmo
a seguir
pelas ruas


constatação 2

uma vez na vida
você abre a porta
e todas as suas roupas estão no chão
você seca uma garrafa de vinho
contemplando o pôr do sol
você volta pra casa dos pais
com machucados no rosto e malas
você devora setecentas páginas
em cinco dias suspensos
você deixa um copo sobre uma lanterna
e cria padrões incríveis
você olha para o céu
e pensa isso não é possível
você levanta e vê quem você ama
e lhe dá a mão
uma vez na vida
outra na morte


em noites como essa

volta e meia
me pego sozinho
em noites como essa
lá embaixo um silêncio
feito de cães ônibus carretas
no intervalo entre dois dias iguais
e tenho certeza que em algum ponto
dessa imensidão que envolve a todos nós
tão sortida de desencontros luzes ausências
cujos alicerces são justamente as relações exatas
entre o vazio e a cidade o nítido e o obscuro
refletidas na lógica íntima destes objetos
a xícara de chá o livro a moeda o celular
que tenho aqui ao alcance das mãos
num quarto pequeno e iluminado
no centro de uma grande cidade
bastante distante do litoral
se eu ficar bem quieto
tenho certeza que em
algum lugar
ouço uma
onda


fluviais

é aqui
ela disse
costumava haver um rio
mas alguns anos atrás
eles decidiram enterrar tudo

plátanos balançavam
acima de nós havia certo
gosto áspero

era aqui
onde as águas se encontravam

mais tarde caminhamos
pelo terreno e vimos
um reservatório desativado

vamos voltar
ela disse
à primeira trovoada

não conseguir chorar eu
lembro era a sua pauta
aquela tarde


Foto de Luísa Machado.

Leave Your Comment

faz um PIX!

Caso dê erro na leitura do QRCode, nossa chave PIX é editora@aboio.com.br

DIAS :
HORAS :
MINUTOS :
SEGUNDOS

— pré-venda no ar! —

Literatura nórdica
10% Off