Sobre a autora: Joy Harjo (1951-) é uma poeta e musicista estadunidense, primeira artista indígena a ser nomeada US Poet Laureate por três anos consecutivos, de 2019 a 2021. Suas obras ecoam vozes e espíritos ancestrais que dão vida aos povos da terra, plantas e animais, caboclas e caboclos das matas, mestras e mestres dos encantos, índias e índios (das Américas colonizadas) e filhas e filhos sobreviventes do terceiro-mundo pandêmico. Algumas de suas obras escritas e/ou musicais incluem “The Last Song” (1975), “She Had Some Horses” (1983), “In Mad Love and War” (1990), “The Woman Who Fell from the Sky” (1994), “Letter from the End of the Twentieth Century” (1997), “How We Became Human: New and Selected Poems, 1975-2001” (2004), “An American Sunrise: Poems” (2019), dentre outras.
Sobre o tradutor: Rafael de Arruda Sobral é um jovem poeta e tradutor, professor de inglês e estudante de Ciência da Computação (UFCG). Ele vive em Itatuba (Paraíba), Nordeste do Brasil. Tem desenvolvido poesia escrita, poemas em prosa e traduções de poesia ao português brasileiro para as obras de Cheryl Clarke, Audre Lorde, Elizabeth Bishop, Emily Dickinson, James Baldwin e Joy Harjo. Algumas dessas produções estão disponíveis em Revista Letras Raras, Revista Mallarmargens, Revista Nota do Tradutor, Escamandro, dentre outras.
Quatro Músicas a Cavalo
1. O Branco
⠀⠀o cavalo branco
⠀⠀das nuvens ao norte
⠀⠀canta desde uma noite em dakota
⠀⠀é um copo de vodka barata
⠀⠀que o mantém aquecido
⠀⠀enquanto dança
⠀⠀dois pés acima da terra
⠀⠀oscilando de bar em bar
⠀⠀bebendo em direção ao sul
⠀⠀ele é o desesperado
⠀⠀que ri muito alto
⠀⠀de sua própria sina
2. O Vermelho
⠀⠀o cavalo vermelho
⠀⠀do amanhecer ao leste
⠀⠀não consegue ver o dia seguinte
⠀⠀logo que caça a sua vida
⠀⠀ao longo das ruas de Gallup
⠀⠀ele só conhece
⠀⠀seus vergonhosos olhos vermelhos
⠀⠀pela manhã
⠀⠀daí volta-se
⠀⠀ao mesmo dia de sempre
3. O Cinza
⠀⠀este cavalo permanecia ao sul
⠀⠀muito perto dos trilhos de trem
⠀⠀seus ossos são cinza
⠀⠀à seca luz do sol
⠀⠀ele queria ir pra casa
⠀⠀mas os trilhos sempre levavam
⠀⠀ao mesmo lugar
4. O Amarelo
⠀⠀o cavalo amarelo
⠀⠀galopa ao seu lar perto de Tsaile
⠀⠀o sol entardece e quase despede-se
⠀⠀mas ele tem fé
⠀⠀de seu retorno
Poema da Águia
Para rezar tu abres todo o teu ser
Ao céu, à terra, ao sol, à lua
À toda uma voz que é você.
E sabes que há mais
Que não podes ver, nem ouvir,
Nem saber exceto em momentos
De constante crescimento, e em linguagens
Que nem sempre são sons mas outros
Círculos em movimento.
Como águia àquela manhã de domingo
Sobre o Rio Salt. Ao redor do céu azul
Sobre o vento, deixasses nossos corações limpos
Com asas sagradas.
Nós te vemos, vemos a nós mesmas e sabemos
Que devemos ter o máximo cuidado
E gentileza em todas as coisas.
Inspire, sabendo que somos feitas de
Tudo isso, e respire, sabendo que
Somos verdadeiramente abençoadas por que nós
Nascemos, e logo morremos ao fim de
Um verdadeiro círculo em movimento,
Como águia circulando pela manhã
Dentro de nós.
Rezamos para que se conclua
Em beleza.
Em beleza.
A História da Criação
Eu não tenho medo do amor
nem de suas consequências à luz.
Não é fácil dizer isso
ou qualquer coisa quando minhas entranhas
balançam entre o paraíso
e o medo.
Estou envergonhada
nunca tive palavras
para carregar uma amiga desde sua morte
até às estrelas
corretamente.
Ou palavras para manter
meu povo à salvo
da seca
ou de tiros.
As estrelas criadas por palavras
estão circulando sobre esta casa
feita de cálcio, de sangue
esta casa
em risco de ser destruída
por pedras de medo.
Se essas palavras podem fazer algo
se essas músicas podem fazer algo
digo para abençoarem esta casa
com estrelas.
Transpassem-nos com amor.
Outrora o Mundo Era Perfeito
Outrora o mundo era perfeito, e a gente era feliz naquele mundo.
Daí a gente o subestimou.
A Insatisfação começou um pequeno estrondo na mente terrestre.
Daí a Dúvida forçou mais com sua cabeça perfurante.
E outrora a Dúvida rompia a teia,
Todo tipo de pensamentos demoníacos
Pularam de um lado a outros —
A gente destruiu o mundo que nos foi dado
Por inspiração, por vida —
Cada pedra de ciúme, cada pedra
De medo, ganância, inveja, e rancor expulsaram a luz.
Ninguém estava sem pedra na mão.
Lá estávamos,
Logo atrás de onde tínhamos começado.
A gente estava tropeçando um no outro
No escuro.
E agora não tínhamos lugar para viver, pois não sabíamos
Conviver um com o outro.
Daí um dos tropeços teve piedade de outro
E compartilhou o cobertor.
Uma faísca de generosidade fez reluzir.
A luz fez uma abertura em meio a escuridão.
Todo mundo trabalhou junto para fazer uma escada.
Uma pessoa da Tribo do Vento subiu primeiro ao mundo seguinte,
E daí as outras tribos, as crianças daquelas tribos, suas crianças,
E suas crianças, ao longo do caminho do tempo —
Até agora, à esta luz da manhã até você.
Four Horse Songs 1
1. White One
⠀⠀the white horse
⠀⠀from the north clouds
⠀⠀sings from a dakota night
⠀⠀it is a pint of cheap vodka
⠀⠀that keeps him warm
⠀⠀as he dances
⠀⠀two feet off the ground
⠀⠀swaying from bar to bar
⠀⠀drinking his way south
⠀⠀he is the desperate one
⠀⠀who laughs too loud
⠀⠀at his own fate
2. Red One
⠀⠀the red horse
⠀⠀from the eastern sunrise
⠀⠀cannot see the next day
⠀⠀as he chases his life
⠀⠀across the streets of Gallup
⠀⠀he knows only
⠀⠀his red shameful eyes
⠀⠀in the morning
⠀⠀and it becomes
⠀⠀the same day always
3. Gray One
⠀⠀this horse stayed south
⠀⠀too near the railroad tracks
⠀⠀his bones are gray
⠀⠀in the dry sunlight
⠀⠀he wanted to go home
⠀⠀but the tracks always led
⠀⠀to the same place
4. Yellow One
⠀⠀yellow horse
⠀⠀gallops home near Tsaile
⠀⠀the sun is low and almost gone
⠀⠀but he has faith
⠀⠀in its returning
Eagle Poem 2
To pray you open your whole self
To sky, to earth, to sun, to moon
To one whole voice that is you.
And know there is more
That you can’t see, can’t hear,
Can’t know except in moments
Steadily growing, and in languages
That aren’t always sound but other
Circles of motion.
Like eagle that Sunday morning
Over Salt River. Circled in blue sky
In wind, swept our hearts clean
With sacred wings.
We see you, see ourselves and know
That we must take the utmost care
And kindness in all things.
Breathe in, knowing we are made of
All this, and breathe, knowing
We are truly blessed because we
Were born, and die soon within a
True circle of motion,
Like eagle rounding out the morning
Inside us.
We pray that it will be done
In beauty.
In beauty.
The Creation Story 3
I’m not afraid of love
or its consequence of light.
It’s not easy to say this
or anything when my entrails
dangle between paradise
and fear.
I am ashamed
I never had the words
to carry a friend from her death
to the stars
correctly.
Or the words to keep
my people safe
from drought
or gunshot.
The stars who were created by words
are circling over this house
formed of calcium, of blood
this house
in danger of being torn apart
by stones of fear.
If these words can do anything
if these songs can do anything
I say bless this house
with stars.
Transfix us with love.
Once the World Was Perfect 4
Once the world was perfect, and we were happy in that world.
Then we took it for granted.
Discontent began a small rumble in the earthly mind.
Then Doubt pushed through with its spiked head.
And once Doubt ruptured the web,
All manner of demon thoughts
Jumped through —
We destroyed the world we had been given
For inspiration, for life —
Each stone of jealousy, each stone
Of fear, greed, envy, and hatred, put out the light.
No one was without a stone in his or her hand.
There we were,
Right back where we had started.
We were bumping into each other
In the dark.
And now we had no place to live, since we didn’t know
How to live with each other.
Then one of the stumbling ones took pity on another
And shared a blanket.
A spark of kindness made a light.
The light made an opening in the darkness.
Everyone worked together to make a ladder.
A Wind Clan person climbed out first into the next world,
And then the other clans, the children of those clans, their children,
And their children, all the way through time —
To now, into this morning light to you.
Foto de Luísa Machado.
Referências
- HARJO, Joy. Four Horse Songs. In.: How we became human: new and selected poems, 1975-2001. New York/London: W. W. Norton & Company, 2004.
- HARJO, Joy. Eagle Poem. In.: How we became human: new and selected poems, 1975-2001. New York/London: W. W. Norton & Company, 2004.
- HARJO, Joy. Creation Story. In.: Letter from the End of the Twentieth Century. Interpreters: Joy Harjo and Poetic Justice. Mekko Productions, 2003, track 1 (46 min). Available at: https://www.youtube.com/watch?v=7_ibpHqv6bU&list=OLAK5uy_lDnTSJQxtL3MJzOMc9gHtPdXj5owrolpI&index=1&ab_channel=JoyHarjo%26PoeticJustice-Tema. Accessed on: Jan 16th, 2021.
_____. The Creation Story. In.: How we became human: new and selected poems, 1975-2001. New York/London: W. W. Norton & Company, 2004. - HARJO, Joy. Once the World Was Perfect. In.: Conflict resolution for holy beings: poems. W. W. Norton & Company: New York/London, 2015.