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4 poemas de Lambi

por Lambi
Foto de Leopoldo Cavalcante para ilustrar os poemas de Lambi.

Lambi, multiartista macaense, transfeminina, de 23 anos, atua ativamente na cultura da região há 7. Etimológicos é uma série de poemas que nasceu do seu próximo livro a ser publicado, Não Existe Réu Primário.


MARICA

1.Phyna faixa de carne
Sob a pele do ventre
Formada pelo músculo cuticular

2.Músculo cuticular
Compõe os músculos da expressão
Responsáveis pelo movimento
Da boca e
Dos lábios

É considerado um dos mais
Delicados do corpo

3.Delicado
Pode significar
Afeminado

Delicado também quer dizer
Vulnerável

4.Vulnerável;
Que pode ser ferido ou atacado

Como diz Francisco MAllmann:
“a américa émarica”

eu digo:
“talvez por isso sangre tanto”


PALAVRA AGUANTE

é justamente
a covardia de dizer
que a linguagem que não é sua
ou que a linguagem que não é culta
– aquela das redações –
não chega a ser arte
não é poema
é algo menor
não vale um real
que já não vale mais tanto

sem valor pra mim
é palavra que não sara
ou que não machuca
e a melhor é a dupla face
contra as duras faces

gosto de palavra
como gosto de bebida
mais aguardente
que aguada

mais agora que aguardo

“resistência, do espanhol aguante’’

Resistir é

Aguardente

palavra aguante.


AMÉRICA

pra onde olho vejo tristeza
não sei o que faço

bebo pra ficar boba
e ver se durmo já que cansaço
só não basta

penso o que faria minha dor valer
e de que valeria valer

é só fantasia

o mundo é cheio de dor de pessoas vazias
não de conteúdo, mas de buraco no peito

“.américa
substantivo feminino
1.qualquer coisa grande, desmedida, fora do comum.
2.negócio altamente compensador e lucrativo.’’

américa.

Repito:
“a américa émarica’’
talvez por isso sangre tanto.


CIRCO DE CONCRETO VERMELHO

uma vez viram que eu existia

não se enxergaram
e pediram pra tirar uma foto comigo
na entrada de um teatro

porque eu tava de vestido e
nada mais.

uma criatura bizarra
uma atração
uma mulher-barbada-moderna

uma atração
e na hora eu nem senti

acho que porque eu nem me deixava

foi acho que a única vez que uma amizade cis notou algo que eu não
tinha notado

eu era uma criatura alienígena e
domesticada
que só cabia naquele espaço
só podia existir naquele espaço
– e no outro que você sabe qual é –

naquele espaço de uma arte suburbana e américa
dentro de uma jaula que eu não enxergava

e como qualquer animal em uma jaula precária
perdi o brilho de ser livre
o que acho que talvez nunca tenha sido
e atacava qualquer pessoa que entrava nesse espaço
feria seus egos e orgulhos

e como qualquer animal reativo
defendendo seu pouco espaço
descontando seu descontento
mordi
e me sacrificaram
porque as outras vidas é que importam

e foi sempre isso que eu ouvi

foi sempre isso

os outros é que importavam
eu

Era só uma atração.

nada mais.


Foto de Leopoldo Cavalcante.

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