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[sempre existirá um poeta]

por Julia Bac
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Julia Bac cursou pós-graduação em formação de escritores do Instituto Vera Cruz e o CLIPE-Poesia da Casas das Rosas. Participa de saraus, publica seus poemas no blog papelpele.com e em zines, que espalha por aí nas feiras independentes.


sempre existirá um poeta
em algum lugar do mundo
escrevendo sobre uma pintura
O’hara procurou sardinhas
em Goldberg
Adília falou dos ajuntagentes de Rubens
Szymborska já pensava no fim do mundo 
contemplando Vermeer 
William Carlos Williams explicou a versão de Bruegel
para o mito de Ícaro 
eu olho aqui em volta 
vejo deserto e teatro 
poemas da retina.


Van Gogh cortou a própria orelha
ninguém entendeu nada 
depois pintou noite estrelada 
ninguém entendeu nada 
Cézanne então 
aí que ninguém entendeu nada 
Gauguin foi pro Tahiti 
ninguém entendeu nada 
pintou moças jovens 
ninguém entendeu nada 
dizem que a luz do Tahiti 
que era boa para pintar as moças jovens 
mas ninguém entendeu nada 
Duchamp pôs um nu descendo uma escada 
ninguém entendeu nada 
depois teve a fonte 
ninguém entendeu nada 
Kandinsky, Picasso, Pollock, Klein, 
ninguém entendeu nada 
Matisse recortava 
ninguém entendeu nada 
antes só pintava 
ninguém entendeu nada 
a cadeira de Kosuth
a cadeira de Kosuth 
a cadeira de Kosuth 
ninguém entendeu nada 
Magritte com o pé-sapato 
ou sapato-pé 
ninguém entendeu nada 
ceci é ou não é um cachimbo 
ninguém entendeu nada 
vocês entenderam, né. 
ninguém entendeu nada. 
eu digo: 
isto é um poema.


herdei o jeito 
arredondado das 
letras e a vontade
de escrever
KISS ME
em caixa alta 
no meio da página 
com 450 gr de açúcar 
numa calda em 
ponto de pasta 
com 1 colher de 
manteiga que 
deixei esfriar e 
derramei sobre 
24 gemas passadas 
na peneira fina 
depois ao fogo 
brando sempre mexendo 
até despregar da panela 
no dia seguinte 
fiz bolinhas e passei 
em açúcar peneirado depois 
coloquei nas caixinhas 
de papel que 
enfeitei com um 
pedacinho de cereja 
um cravo ou 
uma folhinha 
ou deixei simplesmente 
o que acumulou 
sob as letras do 
seu nome.


o que não vemos 
quando estamos num 
espetáculo de dança 
são os movimentos antes dos movimentos 
os bailarinos se aquecendo 
a rápida troca de roupa 
as bocas se mexendo com a 
contagem da coreografia 
a água engolida antes de voltar pro palco 
a garrafa jogada com rapidez 
não se vê sob os holofotes 
nem a próxima troca de roupas 
nem a meia calça sendo puxada até os quadris 
nem o impulso que se dá 
aquele passo antes do 
definitivo que faz parte do show 
o que se representa 
antes de pisar no tablado 
a falsa plácida mão 
no movimento lento dos dedos 
os bailarinos que não entram no palco 
acompanham todos os passos 
qual a diferença do que está em cena 
e o que está atrás da cena 
o que não vemos 
quando estamos num 
espetáculo de dança.


Foto de Luísa Machado.

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