Adriane Figueira é paraense, nascida e criada às margens do Tapajós, mas vive há mais de uma década na capital carioca. Entusiasta da escrita e pesquisadora. Publicou seu primeiro livro, Revoada do dragão (Editora Patuá) em 2021. Voragem (Editora Folheando, 2022) é seu novo lançamento.
Apresentação de Voragem
Mergulho profundo e celebro na poesia os mitos gregos e romanos, deles retiro a iluminação — farol a me guiar. Os três caminhos percorridos apontam para o encontro com um destino ora solar, ora lunar: Apolo e Hécate — deusa Trívia — em duas faces.
Catábase é a descida infernal, a queda inevitável; o Labirinto é o solo de perdição e gozo, úmido e extasiante — desencontro prazeroso; Anábase é a ascensão assentada no sonho, um respiro, um descanso delirante, um devir celestial.
Caminho guiada pelo rubro fio de Ariadne — a mulher abandonada pelo homem, resgatada pelo deus e transformada em constelação, a que transita pelos corredores quase intermináveis e atravessa o labirinto escuro sem hesitação.
No desejo de transformar imagens e versos, convido você para buscar o sol, acender a fogueira e cantar à lua, para reescrever os mitos, dançar e derrubar tronos e verdades. É tempo de abdicar da coroa!
PRIMEIRA PARTE – CATÁBASE
(…) La soledad no es estar parada en el muelle, a la madrugada, mirando el agua con
avidez. La soledad es no poder decirla por no poder circundarla por no poder darle un
rostro por no poder hacerla sinónimo de un paisaje.
Alejandra Pizarnik
Invocação a Pluto – o rico
Imperioso és tu,
Ó Deus do submundo!
não ouso chamar-te
pelo nome que te funda
Majestade!
Milhas abaixo
estás no Trono
sentado
à espera de invasores
que serão castigados
Envolto em brumas
abre passagens
descanso mineral
voracidade
Centro de tudo
Perséfone expande teu domínio
Deusa transeunte
katábasis
anábasis
dois mundos.
SEGUNDA PARTE – LABIRINTO
Como se perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro…
Hilda Hilst
No rastro dourado do indizível
O sol se levanta no horizonte
Apolo é gerado da fera que uiva noite adentro.
Deus da primavera.
Teu nome revela o instante da bem-aventurança.
Na entrada do Templo se ouve o teu canto virtuoso.
A tua luz deslumbra.
Céu pintado de azul.
Implacável.
És a harmonia que equilibra o mundo.
As musas se lançam nos teus braços largos, solares, amorosos.
O destino é traçado no teu Oráculo.
Píton — o dragão — sucumbe a tua ira.
Do teu pensamento brotam seres alados e homens.
És rancoroso quando contrariado.
És imenso quando cultuado.
TERCEIRA PARTE – ANÁBASE
Devastada era eu própria como a cidade em ruína
Que ninguém reconstruiu
Mas no sol dos meus pátios vazios
A fúria reina intacta
(…) Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto
Sem jamais perderem o fio de linho da palavra.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Voragem
Os braços se desprendem dos raios dourados e alcançam a imensidão do mundo.
A Sibila profetiza dentro da jaula — pássaro do abismo moroso. Anábase é seu labirinto, mas ela conhece o caminho e traça o seu destino. Morre atenta ao canto impronunciável o tempo todo. No seu rosto iluminado, encoberto pelo véu do acaso, repousa o segredo. Possuída e possuidora do gozo. Templo solar, quente e extasiante.
A mulher se ergue no centro de tudo lançando luminosidade. Serpentes a circundam, protegem o seu corpo.
Cassandra — a voz que canta verdades, a profeta desacreditada pela vingança do sol que cospe fogo e queima suas palavras. Ela, pura catarse, mulher de gestos estudados. Não se dobra a falácia dos homens, nem a pedidos de deuses enamorados. Elevada ao topo, dona do seu destino. Transeunte do tempo e do espaço. Ponto brilhante no horizonte feminino.
Fiando seu destino se entrega em sacrifício. Entre Hércules e a serpente, constelação reluzente.
Ariadne — a moça destinada ao sacrifício, carrega em uma das mãos o seu novelo. Bússola iluminada. Prometida ao guerreiro, ela guarda o segredo da saída. O labirinto não a intimida, aprendeu desde cedo a domar feras e lidar com enigmas. Ela cintila no escuro da clausura, Ilha de Naxos. Dionísio enamorado prepara seu túmulo e chora pelo amor não concretizado. Ela, um passo à frente, criatura inalcançável.
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Foto de Anna Carolina Rizzon.