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Por que pensar na literatura produzida por mulheres como um imenso rizoma?

por Myriam Scotti
Desenho de Ariyoshi Kondo ilustra o ensaio de Myriam Scotti..

Myriam Scotti nasceu em 1981, em Manaus (AM). É escritora, crítica literária e mestre em Literatura pela PUC-SP. Seu romance Terra Úmida (Penalux, 2021) foi vencedor do Prêmio Literário de Manaus 2020. No ano seguinte, seu romance juvenil Quem chamarei de lar? (Pantograf, 2021) foi aprovado no PNLD literário e escolhido pelo edital Biblioteca de São Paulo. Também é autora do livro de poemas Receita para explodir bolos (Patuá, 2023). Foi finalista do prêmio Pena de Ouro 2021 na categoria Conto. No ano passado, ficou em segundo lugar na categoria conto do prêmio Off Flip.


Durante o mestrado, sofri uma série de epifanias. Acredito que isso deva acontecer com certa frequência entre os que se aventuram no mundo acadêmico. A responsável por esse espanto sofrido numa manhã de terça-feira foi a professora Elizabeth Cardoso, Beth, como ela prefere. Mais que lecionar, Beth divagava e nos convocava para reflexões profundas sobre o literário e a vida. Por causa dela, vivenciei um encontro com a teoria sobre o rizoma dos filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari e, desde então, vasculho um modo de escrever sobre, numa busca incessante pela maior diversidade literária, sobretudo no que diz respeito à produção literária feita por mulheres.

Assim, se nos propusermos a imaginar o texto literário como algo em movimento contínuo, possibilitando infinitas multiplicidades, o sentido de hierarquia e de cânone entre os livros, bem como entre escritores e leitores, perde-se para dar lugar a imagem labiríntica do rizoma. Ou seja, se abrirmos espaço para uma observação descentralizada do mundo, a noção binária — prevalecente — de centro e de periferia desaparece, surgindo, assim, a ideia de multiplicidade literária do texto, isto é, podendo qualquer ponto ser ligado a outro, de modo que, se não há começo, meio nem fim, também não há certo ou errado e, por isso, também passa a inexistir a verdade absoluta, o que dá lugar a múltiplas verdades, dispensando-se, então, a hierarquia comumente disseminada na arte literária. Pensar a literatura dessa maneira me pareceu bem mais democrático e confluente com o momento em que vivemos, qual seja, o de busca pela aceitação da maior diversidade e igualdade de direitos no mundo contemporâneo, inclusive nas artes. 

Com esse raciocínio, busquei pensar a teoria rizomática em relação aos textos literários escritos por mulheres. Ou seja, analisá-los como rizoma, no sentido de abrir possibilidades, sejam de conexões ou de rupturas (pois há sempre a perspectiva de reconexão, dado que as conexões são infinitas, são um constante “devir”). E por que pensar na literatura produzida por mulheres como um imenso rizoma?

Primeiramente, porque no rizoma existe a fluidez, ou nas palavras dos filósofos Deleuze e Guatarri: “não existe língua em si, nem universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos”. Por isso mesmo que pensar a metáfora do rizoma é pensar a multiplicidade, cuja existência permite diversas combinações e recombinações. Desta forma, nunca há uma ruptura total e sim um sistema de conexões possíveis e permeáveis. 

Além disso, ao aceitarmos a literatura como rizoma, poderemos afirmar que tudo é deslocamento, isto é, cada territorialização desemboca para uma desterritorialização, numa eterna conexão, onde não há começo nem fim. Aos nos abrirmos para essa ideia, chegaremos logo à conclusão de que esse processo derruba a ideia de que há uma literatura “menor”. Afinal, há muito que a literatura escrita por mãos femininas é considerada menor e pouquíssimo cogitada como literatura universal, tendo em vista que a língua operada por grupos ou subgrupos étnicos, raciais ou culturais geralmente são submetidos a um processo de marginalização. 

No entanto, uma literatura considerada “menor” não provém de uma língua menor. Na verdade, refere-se a uma minoria que produz literatura estando inserida numa língua maior, qual seja, a do patriarcado vigente há centenas de anos. A resistência de nós mulheres, então, está em escrever essa língua deslocada da predominante e se tornar parâmetro para aquelas que se sentem o tempo todo estrangeiras, desterritorializadas, de modo que a escrita feita por mulheres  se torna revolucionária a partir do momento que rejeita permanecer tributária da língua “maior” e tida como universal, ou seja, a patriarcal. 

Isto porque penso ser na subversão do que se tem como regra é que podemos afirmar quão importante e revolucionária é a escrita produzida por mulheres. Tendo em vista que, ao nos escrevermos como sujeito, abrindo mão de uma ideologia, é quando assumimos o nosso lugar de modo a nos tornarmos protagonistas de nossas histórias. Afinal, é na desistência de seguir o óbvio e o esperado que cada vez mais escritoras têm desvendado novos caminhos antes vistos como impróprios ou impossíveis.


REFERÊNCIA

DELEUZE; GUATARRI. Introdução: Rizoma. Tradução: Aurélio Guerra e Célia Costa. São Paulo: Editora 34, 1995.


Desenho de Ariyoshi Kondo.

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