• 0

    Frete grátis a partir de R$ 110

a alma do negócio

por Rafael Meneses Miranda
Recorte de imagem de Jóias Brutas (Uncut Gems) ilustrando crítica de Rafael Meneses Miranda

Rafael Meneses Miranda é graduando em Letras na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Anda de skate e escreve sobre cinema no seu Letterboxd. É colaborador da revista Aboio.


Alguns comentários sobre a dialética material-imaterial em Joias Brutas1
Aviso: este texto contém Spoilers

“E já dizia jogador de bicho: jogo de aposta é jogo que é amaldiçoado. Se é amaldiçoado não pode entrar dentro de casa. Então dinheiro que cê ganha com aposta, assim de graça, tu gasta tudo no rolê: usa droga, paga conta, paga aquele táxi pras velha que tá com muleta, tá ligado? Cê não pode ter vergonha de gastar aquele dinheiro não. Dinheiro de aposta é dinheiro amaldiçoado. Vai por Deus. Isso é papo de visão. Tenho meus 21 anos aí, todo dinheiro de maldição que eu peguei na minha vida aí? Virou merda: droga e prostituta barata. Então, mano, não mexa com dinheiro amaldiçoado”
(Áudio anônimo)

Jóias Brutas (EUA, 2019), é um filme sobre fé: apostar, como prometer e acreditar, é querer um futuro específico. Ele possui vários contrastes: o conteúdo imaterial que emana de certas matérias. As condições trabalhistas na Etiópia se chocam com a futilidade do mundo de apostas norte-americano. A alegria que rapidamente se transforma em tragédia. A própria natureza ficcional do longa (narrativa fílmica roteirizada em três atos) engloba características documentais (atores não profissionais, o campeonato real de basquete inserido e com seu resultado parcialmente explicado pela história inventada). Também é uma comédia mórbida, ao mesmo tempo que é um thriller “criminal’’ e uma película fáustica: Howard vende a sua alma em troca de algo. O que eu vou defender nesse texto é que, para os irmãos Safdie, a alma de alguém é sua própria história.


Howard: material e tese

“Você só tem aquilo que pode vender”
(passagem de A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller)

O protagonista é Howard Ratner, homem de 48 anos e dono da joalheria KMH Gems, localizada no distrito das joias (47th Street) de Nova Iorque em 2012, interpretado por Adam Sandler. Ele é judeu, pai de família, homem de negócios, adúltero, mentiroso e viciado em apostas. Essa última característica é evidenciada por atos, nunca explicitada por falas. 

Por mais que Ratner seja um produto típico da ambiência neoliberal novaiorquina, sua característica hereditária e ancestral, o judaísmo, é distorcida. Ele mente sempre que pode conseguir vantagem, muitas vezes de maneira tão óbvia que deságua no vexatório. Sua confiança (ןַ מָ א ,ou `aman, do hebraico) e palavra, aspectos tão importantes no Velho Testamento, não valem nada. Ele não cumpre em pé o que prometeu sentado. Isso resulta numa modificação cômica e invertida de Shylock, protagonista de O Mercador de Veneza: enquanto aquele semita agiota corria atrás de quem lhe devia dinheiro, agora quem foge e se esquiva dos outros é o próprio judeu. 

Você é o que você tem. E, se isso for verdade, no consumismo e ostentação de produtos ocos em que ele se insere, ele convive com pessoas que são bem pouco.

Na cena de jantar, antes da ridícula tentativa de reatar com a mulher (a vida amorosa dele funciona como extensão natural do seu vaivém financeiro e ético) Howard é escolhido, para o constrangimento de seu cunhado Arno (seu principal credor), para ler a Torá junto com a sua mãe. Ele não sabe ler hebraico. No meio do ritual, faz piadas. Ou seja: desconhece e até desrespeita a sua tradição. Está mais interessado em saber se sua amante Julia já saiu do seu apartamento e se o colocou à venda. 

Quando explica como conseguiu a opala, descreve o povo judeu etíope como “Eles estão sozinhos no meio da Etiópia. É profundo pra caralho. Eles não têm merda nenhuma. Eles não têm carros. Não têm merda nenhuma”. Para ele, a possibilidade de alguém viver sem carros automaticamente os enquadra na extrema pobreza. Você é o que você tem. E, se isso for verdade, no consumismo e ostentação de produtos ocos em que ele se insere, ele convive com pessoas que são bem pouco. 

Howard possui um anel: o do Knicks (o Santos deles), ganhadores do campeonato de 1973. Nessa equipe, anos antes, estava o judeu que marcou os primeiros dois pontos da NBA: Ossie Schectman. Os anéis, simbolicamente, representam marcas de passagem na vida de alguém (daí vem a ideia de anéis de casamento e os de formaturas, com pedras diferentes para cada curso). Quando ele penhora esse mesmo anel, reconhecido pelo vendedor como marca registrada da imagem que “Howard” tem na sua mente, o penhor diz: “Mas você tem esse anel do Knicks desde sempre!” A ideia de tempo é explicitada, ao mesmo tempo que outra fica implícita: o protagonista está prestes a vender sua própria religião, sua identidade histórica e, portanto, sua alma. Tudo simbolizado pelo anel que emana potência imaterial eterna, em troca de ganho material perecível. Sua morte física lhe espera no final do filme, mas seu falecimento simbólico, junto de qualquer chance de grandeza, tomba ali, naquela empresa de médio porte. Como o erudito Fausto, ele também trocou tudo o que realmente importa pelas ilusões de grandeza que perseguia.

Howard não precisa de antagonistas, afinal quase todas as (espantosas) decisões que movem a história são ele mesmo que toma.

Howard, quando pega a pedra, tem uma relação prazerosa de curto prazo com ela. Seu olhar sobre ela é erótico (“Acho que eu vou gozar”) e não se difere em nada de como ele olha para o corpo da Julia, pela fresta da porta. Para ele, tudo que o mundo pode oferecer é concreto e imediato, não há outra dimensão além desta. Seu relacionamento com Julia, oficialmente sua empregada mas no sigilo sua amante (Shiksa, mulher não judia), não se rompe após a possível traição dela com The Weeknd (que ela depois descreve como “uma oportunidade de venda” que Howie estragou) por isso: os dois só amam o dinheiro, as vendas, as apostas e as passadas de perna. Quando reconhecem isso um no outro, quando alinham seus objetivos, a ligação é harmônica.  Eles são mais sócios do que namorados. 

As duas cenas em que há um diálogo maior entre ele e Garnett são provavelmente as mais importantes do filme. Tudo que importa de caracterização dos dois está ali. O grande discurso de Howard, na sua última cena com Garnett, é especialmente revelador. 

Além de englobar a decisão que move a história para o seu ato final, Howard projeta em Garnett tudo que o incomoda na sua vida para a do jogador: diz que o outro está velho, que “todos” o estão vaiando e apostando contra ele, mas que apesar disso o atleta continua tentando vencer a todo vapor e que ainda não chegou onde queria na vida (no filme anterior dos Safdie, Bom Comportamento (EUA, 2017), há uma cena parecida, com outra projeção, ali executada por Connie Nikas, personagem de Pattinson, mais ou menos no mesmo trecho do filme).

“Voce tem mais de 30. Você ainda está a todo o vapor” e “O que você é! Você é um fudido!”

Paul Schrader disse uma vez que “aqueles que agem contra seus melhores interesses são personagens interessantes”. É como se os Safdie tivessem lido essa frase e resolvido criar o seu exemplo máximo. Howard não precisa de antagonistas, afinal quase todas as (espantosas) decisões que movem a história são ele mesmo que toma. O filme retrata os últimos três dias da sua vida, e aí cria uma síntese de um homem que viveu como o Furby de diamantes que mostrou a Garnett: preso dentro uma materialidade opressiva, olhando paranoicamente o mundo à sua volta.


Garnett: imaterial e antítese

“…as pedras nas entranhas da terra e os planetas nas esferas celestes se preocupavam ainda com o destino do homem, ao contrário dos dias de hoje, em que tanto no céu como na terra tudo se tornou indiferente à sorte dos seres humanos, e em que nenhuma voz, venha de onde vier, lhes dirige a palavra ou lhes obedece. Os planetas recém-descobertos não desempenham mais nenhum papel no horóscopo, e existem inúmeras pedras novas, todas medidas e pesadas e com seu peso específico e sua densidade exatamente calculados, mas elas não nos anunciam nada e não tem nenhuma utilidade para nós. O tempo já passou em que elas conversavam com os homens” 
(trecho do conto A Alexandrita, de Nikolai Leskov)

Garnett representa o oposto de Howard. Em primeiro lugar, pode parecer óbvio, mas essa oposição se dá pelo fato de ele ser real: Kevin interpreta a si mesmo, no meio do campeonato de 2012, quando jogava pelo Boston Celtics. Sua história, mesmo que seja informação extra-fílmica, é importante. 

Quando ele pega a pedra, questiona por que ela tem tantas cores. Tantas possibilidades. E, em primeiríssimo plano, nós vemos junto com ele toda a sua história pessoal e étnica, através de dezesseis fotos.

Várias das fotos são da vida de Garnett, outras são sobre prédios abandonados e degradados em Chicago (Kevin nasceu na Carolina do Sul, mas fez ensino médio em Chicago. O Estado tem 32% da população composta por negros), o regimento de Gana que foi obrigado a participar da Primeira Guerra, várias fotos dos trabalhadores etíopes da mina Welo do começo do filme, um grande grupo de mineradores na África do Sul em 1910, Hererós sobreviventes e emaciados pertencentes ao grupo étnico Bantu e o rabino Rabai Shapira, em Jerusalém no ano de 1991.

Kevin se sente conectado com esse Aleph, que permite ver todo o universo, porque através dele toma contato com as suas raízes e a sua vida, que deveriam ser a mesma coisa.

Aí os Safdies semeiam a ideia de pan-africanismo, movimento que defende o fortalecimento e união de todos os grupos étnicos descendentes da África. Segundo o professor Minkah Makalani, “o povo africano, tanto no continente como na diáspora, compartilha não só uma história em comum, mas também um destino em comum’’. Essa perspectiva de essencialismo racial é revelada a Garnett numa visão, um tipo de transe comunicativo entre ele e a opala. Afinal, a própria rocha também estava na terra-mãe antes de ser comprada e levada para outro país. 

Kevin se sente conectado com esse Aleph, que permite ver todo o universo, porque através dele toma contato com as suas raízes e a sua vida, que deveriam ser a mesma coisa. Fica tão deslumbrado com tudo isso que, hipnotizado e distraído, quebra o vidro em que se apoiava. Imediatamente reconhece que o que acabou de lhe acontecer é um sinal e ele precisa da opala. Como escreveu o filósofo György Lukács em seu livro A Teoria do Romance: 

… O sujeito só pode ultrapassar o dualismo da interioridade e da exterioridade quando percebe a unidade de toda a sua vida… na corrente vital do seu passado, resumida na reminiscência… a visão capaz de perceber essa unidade e apreensão divinatória e intuitiva do sentido da vida, inatingido e, portanto, inexprimível”.

No final, quando Garnett e os Celtics ganham o sétimo jogo, e, portanto, as semifinais de 2012, ele afirma numa entrevista: “No final, era só eu e a pedra”. Ou seja, durante toda a partida e na hora da decisão, ele não estava só: tinha consigo toda a sua história e destino. Howard, em contraponto, morre sozinho porque não reconhece que para avançar, tinha que saber de onde veio.


O filme como síntese

No meio do caminho tinha uma pedra 
Tinha uma pedra no meio do caminho 
Tinha uma pedra 
No meio do caminho tinha uma pedra 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
Na vida de minhas retinas tão fatigadas 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho 
No meio do caminho tinha uma pedra 
(Poema No meio do caminho de Carlos Drummond de Andrade. Incluído em Alguma Poesia, 1930)

Jóias Brutas são duas horas e onze minutos de uma decupagem estufada de coisas, objetos, bagulhos, tecidos, troços, mobílias, prédios e corpos. Tudo se esbarra. Quantidades absurdas de materiais, que custam quantias ainda mais ridículas, recheiam grandes e pequenos espaços. Howard nem tira a etiqueta das camisas que compra. 

Pega essa camisa. Camisa da Gucci. Custa 500 dólares. Novinha”. 

O quarto de um de seus filhos parece uma loja da franquia Brinquedos Laura. Muitas vezes, os corpos estão posicionados de maneira que passam a impressão de serem bonecos de cera ou manequins. Lutam pelo seu espaço contra um mundo de coisas que os engole. A câmera dos Safdie objetifica os corpos humanos numa proporção inédita.

Para os Safdies, o cotidiano é caótico e cacofônico, mas talvez poderia ser simplificado se os personagens percebessem as sincronicidades e sinais à sua volta.

Não conheço outros filmes para comparar com este, além de alguns do neorrealismo italiano. Ambos depositam muita importância na relação entre as condições financeiras das pessoas e o mundo material que cerca os personagens. Lá, o custo explicitado e repetido da máquina de escrever em Vítimas da Tormenta (Itália, 1946), da bicicleta em Ladrões de Bicicleta (Itália, 1948) e dos marcos roubados por Edmund em Alemanha Ano Zero (Itália, 1948) reforçam o peso das cifras no cotidiano (ou o pouco que restou dele) da Europa pós-Segunda Guerra. 

Aquelas pessoas se agarravam àqueles valores e notas porque o que podiam conseguir em troca era a própria sobrevivência. Setenta anos depois, na Etiópia, trabalhadores são expostos a condições de trabalho abjetas. Tudo para que em outra parte do planeta Howard possa apostar toda uma vida de luxo em troca de outra, marginalmente melhor. Aqui as quantias e dívidas são destacadas, mas, ao contrário das preocupações neorrealistas, assumem proporções absurdas em uma dinâmica neoliberal, ou seja, vazia e sem fim. Só a pedra e o anel se destacam.

O filme é cheio de prenúncios, avisos e alarmes sobre morte: o capanga com vitiligo jura que irá jogar terra sobre a cova de Howard, o programa que a mulher dele assiste mostra uma conversa em que um homem pergunta “O que você faria se tivesse só mais duas semanas de vida?” Howard diz que se não comprar o anel de Garnett de volta é um homem morto. Como o espectador desatento, ignora os sinais de cautela, que gritam que ele é “cabra marcado’’.

 Howard e a maior parte do filme se movem na velocidade das transações financeiras contemporâneas.

Gilles Deleuze sintetizou o cinema de Yasujiro Ozu no livro A Imagem-Tempo: Cinema 2 da seguinte forma: “É o pensamento de Ozu: a vida é simples, e o homem insiste em complicá-la agitando as águas paradas”. Para os Safdies, o cotidiano é caótico e cacofônico, mas talvez poderia ser simplificado se os personagens percebessem as sincronicidades e sinais à sua volta. Não conseguem porque estão ocupados com as bagunças que causaram. 

A trilha sonora do filme pode ser dividida em duas: as músicas originais, feitas por Daniel Lopatin (mais conhecido como Oneohtrix Point Never) fabulam e evidenciam os estados mentais de Howard (The Ballad of Howie Bling, Elation e High Life), enquanto as outras canções são inseridas diegeticamente porque poderiam estar tocando em 2012: Kendrick Lamar, Rich Homie Quan e até Billy Joel (na 89 FM deles ou seja lá qual a estação de rock de pai que Howie escuta no carro). 

Nas discussões e críticas do filme, houve muitas comparações cruzadas entre esse filme e Vício Frenético (EUA, 1992), de Abel Ferrara. Por mais que existam similaridades no conteúdo, há uma oposição tão grande na forma que explicitar as diferenças formalistas ilumina aspectos chave dos dois longas. Enquanto o filme de Ferrara também trata sim de um viciado em apostas, o longa o segue com a maior paciência e pena. Não cai na impessoalidade pelo talento do diretor, mas Ferrara não está interessado em participar da loucura do personagem de Harvey Keitel. 

O interesse dos Safdies é justamente esse: através da mise-en-scène, das músicas, das falas sobrepostas, dos ambientes sufocantes, eles mostram que sentem repulsa e atração, ao mesmo tempo, pela loucura howardiana. Essas contradições deixam o filme mais complexo, elétrico e rico. 

Sobre a relação corpos e espaços, é interessante pensar nesse filme como um novo ponto na evolução da densidade populacional estadunidense refletida pelo cinema: dos desertos do Ford, com aquele horizonte inalcançável de Rastros de Ódio (EUA, 1956) até os corredores e salas claustrofóbicas e abarrotadas de gente no Joias Brutas. Os seres humanos saem do campo e se aglomeram nas grandes cidades até o ponto em que a concentração humana fica insuportável. As possibilidades infinitas do deserto rareiam na selva de concreto.

Howard e a maior parte do filme se movem na velocidade das transações financeiras contemporâneas. O ritmo acompanha o estado do protagonista: quando ele está lidando com várias coisas ao mesmo tempo, a duração dos planos é reduzida pela montagem frenética. Contudo, ainda há momentos em que o filme respira, como no final de cada um dos dias narrativos. De noite, seja quando Howard e Julia transam, ou quando Howie se prepara para ir dormir no seu escritório e quando sua mulher lhe pede (ordena) que vá colocar o lixo pra fora de casa. 

Quando ele morre, cai e fica diante de si mesmo refletido. Mas aí já é tarde demais para se olhar e pensar. 

Insano perceber que a falta de autocrítica é evidenciada pela ausência de momentos de Howard em frente a um espelho. Isso só acontece uma vez: na sua casa, após ser capturado pelos capangas de Arno durante a peça da sua filha. Lá ele olha os machucados nas costas, consequência de suas ações talhadas na própria carne.

Bem, tecnicamente, há um segundo momento: logo após a bala perfurar sua cabeça, Howard cai, e a câmera sobe, revelando um espelho na parte de cima da loja, que agora reflete seu dono morto. Aí está a mais fina ironia, num filme em que elas são frequentes: quando ele morre, cai e fica diante de si mesmo refletido. Mas aí já é tarde demais para se olhar e pensar. 

Howard vai a passos largos em direção a morte, como Aquiles na Ilíada, enquanto Garnett dispara para a glória, como Ulisses na Odisséia. E mesmo assim é lindo quando ele percebe que ganhou a aposta. As feições de puro êxtase no rosto de Sandler remetem à ideia de incredulidade, mas também são uma reação ao inédito, uma resposta a algo que nunca tinha acontecido na vida daquele personagem, de apostar tanto e ganhar no mesmo nível, de concretizar o ideal, de materializar o imaterial, de agarrar o inalcançável. Abrir os olhos e perceber que o mundo na sua cabeça finalmente é o mundo à sua volta. 

Quando Howard morre, como quando Aquiles e Macbeth morrem, eu sinto uma grande perda. Mesmo que os três tenham errado muito e sejam personagens completamente diferentes. Porque em última análise todos os seres humanos praticam atividades que são, infelizmente, inúteis. Um dia a vida, do nada, vai se interromper, e nesse momento todos os projetos, planos e esperanças cessarão. É como o que Cassavetes escreveu para que Peter Falk dissesse em Os Maridos (EUA, 1970): a morte é a coisa mais humilhante do mundo. 

Portanto, registrar a tentativa das loucas criaturas que propõem um desafio à macroestrutura da vida, do Real Material-Imaterial, às vezes também chamado de destino e teia de regras a qual os homens estão presos, é um ato de compaixão. Nesses fracassados existe uma beleza bruta, fugaz e falha, mas ainda sim bela. O brilho nas almas dos derrotados.


[1]: Agradecimentos especiais a Arthur Eugênio, que me ajudou com a parte etnográfica do texto e a Pedro Chamberlain, que gentilmente disponibilizou todas as imagens mostradas pela opala.

Comment (2)

Leave Your Comment

faz um PIX!

Caso dê erro na leitura do QRCode, nossa chave PIX é editora@aboio.com.br

DIAS :
HORAS :
MINUTOS :
SEGUNDOS

— pré-venda no ar! —

Literatura nórdica
10% Off