Paul Éluard – pseudônimo de Eugène Emile Paul Grindel – nasceu em 1895, no que hoje é conhecido como o subúrbio parisiense (Saint-Denis), e passou a maior parte de sua vida nos arredores da capital, na região da “Île-de-France”. Durante “Les années folles”, Éluard viveu sua juventude em Paris e conheceu boa parte dos nomes mais importantes do movimento surrealista, dentre eles Salvador Dalí. O poeta teve uma vivência constituída por grandes intercâmbios culturais e intelectuais, sua poesia não seria diferente. No Brasil, Éluard ficou conhecido como o “poeta da liberdade”, pois teve o seu poema Liberté [Liberdade] traduzido por Manuel Bandeira – o qual conheceu em um sanatório na Suíça – e Drummond.
Karine Souza é poeta e doutoranda em Estudos Literários pela UnB. Atualmente sua pesquisa é voltada para a tradução literária, com foco em verter a poesia de mulheres do francês para o português. Durante o mestrado, feito na UFPR, pesquisou prosa e crítica literária feminista. Além disso, também é professora de francês. Suas grandes áreas de interesse são a literatura escrita por mulheres, o surrealismo e o cinema.
Capitale de la douleur é o 11º livro do poeta surrealista Paul Éluard, lançado pela primeira vez em 1926. A obra é constituída por poemas em verso e em prosa, e se divide em quatro partes: « Répétitions », « Mourir de ne pas mourir », « Les petits justes », e « Nouveaux poèmes ». Há nela poemas até então inéditos e não-inéditos, e que seriam lançados inicialmente sob o título L’art d’être malheureux. É uma obra resultante de um verdadeiro trabalho poético e acaba por fundar seus próprios modelos, merecendo, desta forma, um olhar atento e cuidadoso às relações estabelecidas no interior da própria coletânea. Proponho, aqui, a tradução de três poemas contidos em Capital da dor:
A invenção
A direita deixa escoar areia.
Todas as transformações são possíveis.
Longe, o sol amola sobre as pedras sua pressa de encerrar-se
A descrição da paisagem importa pouco,
Tão somente a agradável duração das colheitas.
Claro com meus dois olhos,
Como a água e o fogo.
Qual é o papel da raiz?
O desespero rompeu todas as suas ligações
E leva as mãos a sua cabeça.
Um sete, um quatro, um dois e um um [1].
Cem mulheres na rua
Que eu não verei mais.
A arte de amar, a arte liberal, a arte de morrer bem, a arte de pensar, a arte incoerente, a arte de fumar, a arte de gozar, a arte da idade média, a arte decorativa, a arte de raciocinar, a arte de raciocinar bem, a arte poética, a arte mecânica, a arte erótica, a arte de ser avô, a arte da dança, a arte de ver, a arte do consentimento, a arte de acariciar, a arte japonesa, a arte de brincar, a arte de comer, a arte de torturar [2].
Eu nunca encontrei, no entanto, o que escrevo naquilo que amo.
O espelho de um momento
Ele dissipa o dia,
Ele mostra aos homens as imagens desvinculadas da aparência,
Ele subtrai aos homens a possibilidade de se distrair.
Ele é duro como a pedra,
A pedra disforme,
A pedra do movimento e da visão,
E seu brilho é tamanho que todas as armaduras, todas as máscaras,
ㅤfalseiam-se.
Aquilo que a mão pegou rejeita até mesmo tomar a forma
ㅤda mão,
O que foi compreendido não existe mais,
O pássaro confundiu-se com o vento,
O céu com sua verdade,
O homem com sua realidade.
Tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vidros pesados de silêncio
E de sombra onde minhas mãos nuas buscam todos os teus reflexos.
A forma do teu coração é quimérica
E teu amor se assemelha ao meu desejo perdido
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu não esteves sempre comigo. Minha memória
Ainda está obscurecida por ter te visto vir
E partir. O tempo serve-se de palavras como o amor.
Referências
ÉLUARD, Paul. Capitale de la douleur. Ed. Folio Plus Classique, Gallimard. Paris, 1926.
SOUZA, Karine. Capital da dor: um monumento construído a partir dos escombros de todas as maravilhas dos “années folles” por Paul Éluard. Palimpsesto, Rio de Janeiro, v. 20, n. 35, p. 678-694, jan.-abr. 2021. Acesso em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/palimpsesto/article/view/56109/37920. [3]
[1] O locutor parece tirar cartas como em um jogo de “paciência”, a alusão permitindo associar implicitamente o
tema do acaso ao do infortúnio.
[2] O título inicialmente previsto para a obra era “L’art d’être malheureux”.
N.T: Em português, seria “A arte de ser infeliz” ao invés de “Capital da dor”, que é como foi
intitulada a obra por fim.
[3] Nota da tradutora: O poema “Invenção” encontra-se na seção primeira da obra, intitulada “Repetições”. Já “O
espelho de um momento” e o terceiro poema, que não possui título, se encontram na seção “Novos poemas”.
Arte: Woman Combing her Hair, de Ślewiński Władysław.