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Três poetas do Leste, traduzidos por Francis Kurkievicz

por Andrei Voznesensky, Mariam Tkemaladze e Olzhas Suleimenov (trad. Francis Kurkievicz)
Foto de Anna Carolina Rizzon para ilustrar os poemas traduzidos por Francis Kurkievicz.

Francis Kurkievicz é poeta, publicou seu primeiro livro em 2015 Meninices, contos para crianças, em 2020 publicou seu segundo livro, B869.1 k96, poemas pela Editora Patuá. Criou em 2019 a Ayatori Editora através da qual republicou Meninices no mesmo ano e, em 2022, publicou o livro de poemas para crianças Meu Cântico À Natureza, de Vitória Sainohira. Tem publicado seus poemas em revistas digitais como Mallarmagens, Arara, Acrobata, Hiedra, Escritas, etc., e traduções nas revistas Escamandro e Zunái.


UMA ELEGIA IRÔNICA NASCIDA NAQUELES MOMENTOS MAIS DOLOROSOS QUANDO… NÃO SE PODE ESCREVER
de Andrei Voznesensky

Estou em crise. Meu espírito está mudo.
“Uma linha por dia”, insiste meu amigo.
Mas eu nem tenho
Dias ou linhas.
Meus campos estão por arar;
Minhas fábricas, na escuridão.
Minha alma, desempregada,
Com a boca escancarada, boceja longamente.
Meu crítico, meu acusador,
Dirá num rosnado,
Que neste sistema imune a crises
Só eu tenho uma crise.
Meu incorruptível companheiro, campesino,
Seu traje é perfeito, mas não combina.
Tudo está claro por dentro e por fora
Mas a poesia não vem…
Eu fico completamente desanimado no amor,
“Fique com uma puta barata.
Assim você não perde o controle”,
Eu sim.
Meu verso era sólido – como cristal;
Um duende do hóquei foi queimado diante da meta.
Mas não consigo mais rimar;
Perdi minha destreza.
Como uma ave migratória
Ele vai chorar em voo.
Os grous cantam em uníssono:
Não é um cisne.
Pássaro cinzento, o que lamentas
Com o vento diante do níveo Vladimir?
Não consigo alcançar essas notas;
Tenho um colapso nervoso.
Sete livros de poesia
São publicados diariamente;
Mas eu fujo de amigos e cidades,
Como um cachorro raivoso
Na floresta arrastado pela geada,
Ao amanhecer retorna entorpecido,
Onde a primavera perde o controle
Separando-se secretamente do verão.
E ainda assim eu confio em meus colegas –
Os dois mil quinhentos e quinze
Poetas de nossa federação;
Eles escreverão poemas, embora eu não os possa;
Eles jamais têm um colapso nervoso.


ALÉM DE POEMAS, NÃO TIVE OUTRAS ARMAS
de Mariam Tkemaladze

Além dos poemas, não tive outras armas.
Os poemas tiraram a dor da alma.
Quantas coisas do passado devem ser lembradas?
Cada poema me obcecou como um romance.

Quantas coisas boas e más eu vi.
Tudo isso deixa sua marca em algum lugar.
Os poemas revelaram realmente o que
em mim morreu e renunciei novamente.

Infelizmente, minha geração está indo embora aos poucos
e raramente coincido com meus pares,
não tenho medo do nevoeiro do fim e do pôr-do-sol,
na minha velhice lutarei com meus poemas.


LOBINHOS
de Olzhas Suleimenov

Um homem estava caminhando.
Caminhando pela estepe por um longo tempo.
Por onde? Para que?
Nunca saberemos.
Na ravina escondida, um lobo olhou,
Ou melhor, uma loba, melhor dizendo, uma mãe…
Deitada estava sobre as ervas do absinto,
Com as patas recuadas e dentes a mostra.
Sangue fluía do pescoço decepado,
Um sangue espesso como as águas do pântano.
Mas quem? Quem? Talvez um lobo ou os cães de caça?
Os lobinhos tão cegos nunca saberão.
Fuçando e queixando-se, eles lambiam a pele.
Rígida estava sua mãe.
Os pequenos lobos famintos esqueceram
quão imperioso era o cheiro das ervas daninhas,
Bebiam eles avidamente perto de sua mãe.
O sangue espesso estava esfriando.
O desejo de vingança fluiu no sangue.
De quem?
Não importa, eles nunca poderiam perdoar.
Sem dúvida, se vingar, eles vão juntos ou separados
e se eles se encontrarem uma vez mais, eles se lembrarão do duelo.
O homem estava avançando em seu caminho.
Para onde? Para que?
Nunca saberemos.
Ele é um caçador de lobos.
Mas ele não queria tocar naqueles lobinhos.
Sua mãe não pode mais protegê-los.


Apresento como exercício de tradução poetas do leste europeu ainda pouco conhecidos no Brasil, apesar de serem nomes internacionalmente prestigiados. A seleção foi aleatória, isto é, são leituras que se cruzaram no período da pandemia, quando o tédio esquadrinhava novidades fora da bolha das relações, quando o poeta que sou caminhava para territórios ainda inexplorados dos sítios digitais em busca de poéticas desconhecidas e estimulantes, paisagens inéditas que pudessem ampliar o sentimento de pertencimento na comunidade dos poetas. Portanto, aqui apresento ao publico da Revista Aboio os poemas apanhados ao sabor daquele momento: Uma Elegia Irônica Nascida Naqueles Momentos Mais Dolorosos Quando… Não Se Pode Escrever, de Andrei Voznesensky/Moscou-Rússia, 1933-2010;  Além De Poemas, Não Tive Outras Armas, de Mariam Tkemaladze/Tbilise-Geórgia, 1890-1978;  Lobinhos, de Olzhas Suleimenov/Almaty-Cazaquistão, 1936; Esses poemas foram traduzidos diretamente do russo, por isso pode haver algumas imperfeições no entendimento de cada imaginário e cosmovisão poética expressa pelos referidos autores e este acidental tradutor ocidental. A intenção desta modesta proposta literária é apenas a de romper a fronteira da língua, dos algoritmos e da russofobia.


Foto de Anna Carolina Rizzon.

Comment (2)

  • Excelente sua contribuição contra a estupidez dos nossos dias. Aceite minha solidariedade irrestrita.

    • Ramos Sobrinho, grato pela leitura e comentário. É a POESIA de todos os poetas, seja de que tempo forem, é que merece nossa solidariedade e atenção irrestrita. A Poesia ainda contém a misteriosa força mágica de inspirar a alma humana. FK.

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