O mistral não é o mistral

por Isabela Otechar Barbosa
Foto de Leopoldo Cavalcante para ilustrar o poema "O mistral não é o mistral", de Isabela Otechar Barbosa.

Isabela Otechar Barbosa nasceu em São Paulo. Vive em Marseille, no sul  da França, onde exerce a psicanálise. Em sua pesquisa de mestrado nessa área, estuda, a partir da obra de Clarice Lispector, a função da escrita literária como  sublimação e como criação. Entre as estrangeirices e familiaridades, entre as palavras e seus vazios, escreve poesia, consoante com o traço do que faz palavra, em voz e silêncio. 


O mistral não é o mistral 

ligeira impressão essa 
que fazer com a poeira  
do chão  
esses restos de folha  
desembrulhados 
é o mesmo 
que sobreviver ao vento 

atravessado 
um souffle no ouvido  
o meu canto 
é esse mesmo, temperado 
ontem o mistral soprou forte  
e antes de ontem 
il a plu des cordes  

Qual a corda que me segura aqui?  

o mistral não é o mistral 
é uma trilha sonora 
é um fio de cabelo, escapa 
o tempo não é este da espera 
nove minutos para o transporte chegar 
é um sussurro em silêncio  
é uma balada nova  

é o tintinar do mar 
quando o mistral já não é só o mistral  
e eu já não estou bem aqui 
em uma ponte quase na curva 
em um ponto de ônibus quase na água  
quando o tempo já não é este da espera 
e eu já não estou bem aqui 

mas naqueles instantes no meio da sala  
quando chovia cordas 
enquanto dançavas 
ali 
roda comigo?


Para o alto 

É uma extensão de pernas  
Para o alto 
pois bem 
me lleva donde puedo encontrar libros a dos euros en una ciudad que aun  
no conozco 
uma cidade que ainda 
não conheço  
bem sei como seria  
pisar 
já te disse que  
minhas falanges  
não falam? 


Massa sovada 

olhas para mim 
em sonho e presença  
como quem me pede 
Bela, 
lembra 
lembra  

Vó, 
eu nunca entendi ao certo  
como se sova a massa 
o pão  
fermento em brasa 
mas a cada movimento teu  
em superfície fria 
em assadeira quente 
tu olhas para mim 

no infinito da tua cozinha 
nos limites do teu espaço 

E me lembras que mãos não calam


Foto de Leopoldo Cavalcante.

Comment (2)

  • Privilégio nos dias difíceis de hoje, abrir uma pausa para vislumbrar o talento de suas experiências traduzidas em traços próprios de pura poesia! Por mais momentos assim… parabéns por seu interior ser tão rico, e também generoso por compartilhar conosco!!

  • Adorei Massa sovada transportou-ma à minha infância quando admirava minha vó em suas habilidades na cozinha ao fazer bolão de fubá e biscoito de polvilho azedo. Parabéns pelas poesias por alcançarem o terreno onde a imaginação mora

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