Paloma Palacio é mestre em Comunicação (UFRJ) e especializanda em Literatura Brasileira (UERJ), sapatão e carioca, tem 28 anos e publicou o livro de poesia máquina absurda, absolutamente patriarcal (ed. Urutau, 2023). Também participou do livro coletivo Antígona morreu, agora preciso falar com você (ed. Urutau, 2021). Tem contos publicados pela ed. Ofícios Terrestres e na Revista Torquato.
a fúria
em três atos
1.
no dia 24 de maio
esse amor aconteceu
preciso dizer, porque
no dia 24 de maio, esse
amor aconteceu
esse amor aconteceu
naquele dia, vinte e quatro
de maio
preciso dizer mais vezes
porque eu estava lá
e se eu estava lá, fui eu
quem vi e se vi
esse poema é testemunho
2.
esse poema é um museu
um monumento ao mal
que você me fez
por isso talvez possa soar
pequeno, atulhado cheio de
veneno mas
rancor é uma palavra
muita fraca pra quem vive
aprendendo a ler
esse poema é uma invenção
portanto nada do que houve
aqui, de fato se deu
se há um terço de mentira
eu esconjuro, não fui eu
por pouco vivi, mas no final
a culpa é toda minha
se escrevi direito, esse poema
é um sepultamento
3.
não nos falávamos mais
e eu não podia me curar da dor
de ouvir sua voz
rasgando verso, atordoado
fincando estacas de madeira
repetidas vezes sobre o meu peito
insistindo numa versão dos fatos
que não ocorreu. porque
eu preciso dizer, isso não aconteceu.
não há margem de manobra.
(você é ciclista e eu sei como é bom
nisso, de dar voltas)
mas voltando ao assunto, eu parei
por aqui.
depois do ponto final, eu me pergunto
como sair dessa história.
tento me desvencilhar dessa pele
de camelo com que você me vestiu,
atarrachando palavras e miçangas
como enfeite/ para disfarçar
o buraco negro da sua personalidade
disfrutando dos prazeres beduínos
da montaria. e com a pontaria
de um bêbado fudido
acertou em cheio.
preciso dizer você
me machucou feio, e não foi
só isso: você me machucou.
agora todos os manuais de bem-estar
podcasts, revistas marie claire, sites
apps fitness sabem me dizer
como viver minha vida
eu vou à academia todos os dias
e não deixo uma gota de suor
sequer cair sobre o estofado
quando me pego suspensa
pelos braços,
lá de cima
me pego pensando
com a perspectiva de um pássaro
se as coisas passam
eu espero que fuja
porque, quando eu descer daqui
não quero te ver nunca mais
Desenho de Ariyoshi Kondo.