SOBRE
Livro de estreia de Anna Kuzminska, fotógrafa e autora fluminense, Ossada Perpétua tateia um tipo peculiar de luto. A ausência dita comportamentos, o passado está eivado nas entranhas do vivos, mas a existência segue um compasso de normalidade.
As personagens de Anna parecem sempre querer fugir da realidade (ou do sonho) por meio do falatório vazio, do silêncio transfigurado em nota musical, da recusa do conforto fraternal, e, às vezes, da arte.
O jogo que se trava entre os desejos e as crenças das personagens é confrontado pelo insólito de desenterrar um pai sem túmulo, ou pela aprendizagem dos limites e transgressões durante a infância.
Anna circula Deus e o amor, as memórias germinando desejos, o cotidiano da morte, o avesso da morte, a negação da morte, a recusa da morte.
CAPA
Fazendo as vezes de uma cova, Ossada Perpétua não traz uma arte de capa com detalhes gráficos ou ilustrações sofisticadas. A repetição nos primeiros movimentos da leitura mimetizam o incômodo de remexer no particular absoluto – o repouso da morte.
COLEÇÃO SARGAÇO
Sargaço é uma alga marinha escura que invade súbita e inesperadamente as praias latino-americanas. De um dia para o outro, a areia da praia acorda manchada, melancólica. Quando transbordam, só o tempo devolve os sargaços para as águas.
Ossada Perpétua integra a nossa Coleção Sargaço.
Tratando de temas sensíveis, a Coleção Sargaço trará títulos com uma proposta mais intimista, livros com discursos sobre isolamento, paranoia, tristeza e luto.
EXCERTOS
Diário de 20.07.
…puro anúncio de móvel industrial. Aí eu fico pensando: um armário de latão mentirosamente enferrujado combina com madeira verdadeiramente desgastada? Se eu fechar os olhos, e apertar bem os olhos, você some? Ainda não superei a fase da infância em que as coisas, quando acabam, parecem que acabaram pra sempre. Você sai e nunca mais vai voltar. Termino um livro e nunca mais haverá um livro. Durmo, nunca mais será este dia. Queria poder deter as pessoas no tempo — jamais deter o tempo (ai que saudade). Mas eu abro os olhos e você tá aí. Tudo combina, porque não precisa combinar. Viu, gostou, é isso.
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Trecho de Cristo, Azul e X
Havia uma porta azul à esquerda da escadinha que levava às salas de aula da catequese, na paróquia da Igreja de São Judas Tadeu. Azul-bebê, da mesma cor que as mesas e cadeiras e bancos e batentes e alguns pisos da escola; da mesma cor que meu uniforme; da mesma cor que o céu, dependendo do dia; da mesma cor que o algodão doce que o Tio vendia na rua de cima; da mesma cor que a capa de Lolita. Era uma porta de madeira que parecia pesada, embora pequena. Todo sábado, às 9h e às 12h30, eu passava por essa porta, e olhava para essa porta, às vezes de relance, às vezes demoradamente. É a casa do Padre; é a cozinha da cantina; é um armário; é o esconderijo de Jesus. Nunca perguntei às Tias o que a porta trancava, porque sabia que elas mentiriam. Tentávamos, eu e X, adivinhar, sem impor quaisquer limites às nossas ideias, meio felizes em nossa ignorância, mas torcendo para que um dia, por benevolência divina, um presente por nosso bom comportamento, um atestado de existência, ou por pura e mundana distração da Supervisora, a flagrássemos aberta.
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