Sobre
“Faltam protagonistas repulsivos na literatura brasileira contemporânea”. A frase não tem autoria, talvez porque algumas provocações sejam repudiadas por quem escreve para o conforto. Se a maior parte da prosa de ficção hoje atribui aos personagens nauseantes papéis menores de destinatários de julgamentos – feitos pelos próprios autores que os imaginaram –, Flávio Ilha pode ser considerado um escritor dissonante. Em Senhor Cão, quem deve julgar é o leitor, e o alvo é o próprio personagem sem o qual não haveria narrativa.
O romance, visceral nos temas e, muitas vezes, na prosódia, se constrói em torno de um protagonista condenável, cuja existência se afirma pela régua da opressão. Mas se os homens monstruosos aterrorizam, é porque não cabem em estampas; são intrincados e, inevitavelmente, estão atravessados pela própria história. A “branquitude tóxica”, como aponta Paula Sperb na orelha do livro, tem camadas e, na vida e na ficção, não há reflexão autêntica que não revolva a complexidade e a verossimilhança dos donos da violência.
Flávio Ilha
Flávio Ilha é editor e escritor, autor de Longe daqui, aqui mesmo (2018), Ralé (2019) e João aos pedaços – biografia de João Gilberto Noll (2021). Vive em Porto Alegre. Senhor Cão (Aboio, 2024) é seu primeiro romance.
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